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A crônica de uma casa abandonada
DA REPORTAGEM LOCAL
A crônica da casa abandonada começou cedo. Não era
nem escuro e os refletores e
holofotes já iluminavam o
céu do Morumbi. Na frente
da Casa, uma comissão de
frente de seguranças em ternos escuros espiava, braços
cruzados na altura do segundo botão do paletó, o desfile
agitado de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. A ala
dos PMs carregava cones listrados, preparava cordões
de isolamento, manobrava o
furgão que barrava a entrada
no Quarteirão dos Artistas.
O "show da vida" (velho
slogan do combalido "Fantástico") estava todo armado
na rua para acompanhar o
"show da vida" por trás do
portão cinza da casa número
482. Epa, mas cadê a vida?
Onde estaria o público que a
parafernália fazia imaginar?
Sem ter quem entrevistar,
jornalistas entrevistavam
jornalistas. Até que começa a
correria. Não era Supla, Mari, nem Pati. Era "Seu" Silvio,
que começava o programa
em um aparelho 29 polegadas instalado por uma emissora na calçada.
E foi o logotipo do programa aparecer e uma micromultidão autofermentou-se
para tentar olhar ao vivo pelo buraco da fechadura. Molecada berrando "Supla, eu
te amo!", madame de calça
fuseau e blusa Donna Karan
e a galera da favela de Paraisópolis. "Sou filho do Supla
com o Taiguara", brincava o
rapaz baixinho, mulato com
cabelo descolorido. Ao lado,
a senhora loira de olhos verdes carregava no colo o poodle branco felpudo.
Bebê, cachorro, grávida,
skatista, dondoca e vendedor de bala. A noite escureceu. Holofotes apagaram. Só
faltaram mesmo artistas na
crônica da casa abandonada.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
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