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JORNALISMO
Repórter da "New Yorker" fala à Folha sobre seu "A Queda de Bagdá"
Jon Lee Anderson manda notícias de guerra particular
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
No próximo dia 26, quando boa
parte do globo ainda estiver lutando para assimilar os assados
da véspera, um americano estará
começando uma tarefa bem mais
indigesta. Nesse dia Jon Lee Anderson embarca para o Iraque.
Não será a primeira, a segunda
nem a 20ª vez. O escritor e jornalista conhece cada minarete de
Bagdá e adjacências, área que tem
visitado sistematicamente desde
2000 pela revista "New Yorker",
da qual é velho combatente.
Para essa mesma publicação,
Anderson passou 21 meses chafurdando as poucas entranhas visíveis do regime linha dura de
Saddam Hussein.
E no meio do caminho havia
uma guerra. E o já experimentado
narrador de conflitos como a
Guerra do Afeganistão agarrou-se
a ela da primeira granada até a
captura em uma toca do desgrenhado ditador iraquiano.
As notícias bem particulares
dessa guerra Anderson acondicionou no volume "A Queda de
Bagdá", que chega agora ao Brasil.
A narrativa humana e quase literária que o jornalista faz da experiência, centrada não nas questões políticas, mas no cotidiano
dos iraquianos, inaugura a coleção Jornalismo de Guerra, da editora Objetiva (cujo diretor, Roberto Feith, teve boa experiência
na cobertura, como jornalista de
televisão, de conflitos armados
nos anos 70 e 80).
A série de livros, que tem como
consultores o repórter especial da
Folha Sérgio Dávila e o diretor de
jornalismo do iG, Leão Serva, publicará em 2005 relatos de grandes nomes da reportagem de trincheiras, como Michael Herr, Martha Gellhorn e Joel Silveira.
Lee Anderson, que já tem publicada no Brasil sua minuciosa biografia de Che Guevarra ("Che
- Uma Biografia"), vem no pelotão de frente. Leia a seguir trechos
de entrevista com o soldado Jon.
Folha - O sr. esteve em Bagdá
muitas vezes depois da queda de
Saddam. Quais foram, visualmente, as maiores mudanças por lá?
Jon Lee Anderson - A geografia
política de Bagdá tem sido muito
mudada pelos americanos. Eles
interromperam estradas, instalaram barreiras, mudaram o sentido do tráfego em muitos pontos.
Antes da guerra, havia muito
poucos carros. Com as fronteiras
abertas e a suspensão de taxas de
importação, centenas de milhares
de carros inundaram o país.
Antes a figura de Saddam, o
único humano que podia ser representado em estátuas, estava
em todas as partes. Hoje não existe uma imagem dele no país.
A cidade era limpa, havia muitos varredores e o lixo era recolhido sempre. Agora está bem suja.
Folha - De que forma o sr. acha
que os últimos desenvolvimentos
tecnológicos mudaram o modo de
cobrir uma guerra?
Anderson - De repente tudo ficou mais instantâneo e mais competitivo também. A transmissão
quase instantânea de notícias e o
impacto político que isso gera no
mundo todo fizeram com que a
importância da mídia nesses conflitos crescesse até um nível que
não se imaginava. Com isso, a imprensa passou inclusive a ser alvo
-seqüestrada, assassinada.
Folha - Evelyn Waugh contou no
romance "Furo" (1938) a história
de repórteres que faziam coberturas "falsas" de guerra. Hoje existem Jayson Blairs de trincheiras?
Anderson - As guerras e suas coberturas ficaram ultimamente tão
grandiosas que a "fabricação" de
notícias ficou mais difícil. Mas
ainda existem, e sempre existirão,
jornalistas que manipulam ou falsificam totalmente notícias.
Além, claro, de alguns repórteres
que sentam no lobby do hotel e
conseguem suas matérias ouvindo fofocas alheias.
Folha - O sr. usa muito a ironia e
relata vários "causos" engraçados
do cotidiano de Bagdá. Como se divertir no meio de uma guerra?
Anderson - Humor é muito importante durante tempos difíceis.
Geralmente nesses casos o humor
fica nas pequenas coisas. Havia,
por exemplo, um repórter italiano
chamado Lorenzo que era viciado
por fitness. Durante a guerra, ele
subia e descia loucamente as escadarias do hotel Palestine, 16 andares, todos os dias. Isso era gozado.
Folha - De seus 21 meses de Iraque quais foram os momentos em
que o sr. sentiu mais medo?
Anderson - A maioria dos momentos de medo mais agudo
aconteceram depois da invasão
da cidade, em 2003.
Para mim, porém, os piores
momentos que vivi no Iraque não
foram os de perigo ou medo. Nada foi pior do que as visitas às salas de emergência dos hospitais de
Bagdá durante os bombardeios,
do que ver pessoas descobrindo
que seus entes mais queridos haviam morrido. Nada do que eu escrever poderá dar conta do horror, do desespero e da vergonha
que senti em momentos assim.
Folha - O escritor mexicano Carlos Fuentes disse recentemente à
Folha que estimava que a guerra
não acabaria em menos de dez
anos. Como o sr. imagina que este
conflito todo vai terminar?
Anderson - Não imagino que o
conflito demore tanto para acabar, mas, assim como Fuentes, eu
suspeito que os americanos ainda
ficarão por lá bastante tempo. O
principal problema que eles vão
enfrentar é a rejeição à presença
deles como uma Força Armada
em solo iraquiano. Acho que só
algo próximo a um milagre, seja
no campo de batalha, seja nas
eleições que vêm por aí, poderia
mudar a visão deles sobre os
EUA.
Folha - De que forma a experiência de estudar a vida de um líder como Che Guevara ajudou o sr. a compreender Saddam?
Anderson - Mais do que meu estudo da vida de Che a experiência
de viver na Cuba de Fidel foi muito importante para a compreensão do Iraque de Saddam. Encontrei inúmeros paralelos entre o
Iraque e Cuba, embora Fidel seja
um ditador "light" em comparação com seu par iraquiano.
A diferença está essencialmente
nos tipos de ferramentas de repressão usadas por ambos. As
pessoas obedecem a Fidel por medo de perderem o trabalho ou de
acabarem na prisão, mas as execuções políticas têm sido raras.
Havia alguns contrastes. Na Cuba de Fidel, por exemplo, ele está
em todas as partes e em nenhuma
ao mesmo tempo -não há um
culto de personalidade óbvio,
com esculturas e pinturas.
A QUEDA DE BAGDÁ. Autor: Jon Lee
Anderson. Editora: Objetiva. Tradução:
Alda Porto. Quanto: R$ 49,90 (387 págs.).
Leia a íntegra da entrevista na Folha
Online (www.folha.com.br/043521)
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