São Paulo, terça-feira, 18 de dezembro de 2007

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Belmonte diz que sente "inveja de Daniel Filho"

Com poucos recursos, diretor conclui "Se Nada Mais Der Certo", seu segundo longa ambientado na capital paulista

Produção venceu concurso para filmes de baixo orçamento do MinC (até R$ 1 mi); reportagem da Folha acompanhou filmagens

Fotos Marcelo Soares/Folha Imagem
O ator Cauã Reymond (de costas) e a atriz Luiza Mariani filmam cena do longa, em hotel no centro de SP


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ai que inveja eu tenho do Daniel Filho!", murmura o diretor José Eduardo Belmonte, enquanto circula pelo hall do hotel no centro de São Paulo, onde rodaria as cenas do penúltimo dia de filmagens de seu longa "Se Nada Mais Der Certo", na sexta-feira passada.
Não é a regularidade da produção recente de Daniel Filho, com ao menos um filme lançado a cada ano, o alvo da inveja de Belmonte. Nos últimos cinco anos, esse diretor paulista radicado em Brasília concluiu quatro longas, resultado bem acima da média do país, em que os cineastas consomem no mínimo dois anos para cada filme.
Depois da estréia, com "Subterrâneos" (2003), Belmonte rodou "A Concepção" (2005) e "Meu Mundo em Perigo", exibido pela primeira vez no mês passado no 40º Festival de Brasília, onde venceu os Candangos de melhor ator (Eucir de Souza) e melhor filme segundo o júri da crítica.
"O problema é filmar sem saber se conseguiremos terminar o filme ou mesmo como será o dia seguinte", diz Belmonte, supondo que Daniel Filho desconheça tal instabilidade, ancorado que está na cadeia de produção de sucessos populares.
"Se Nada Mais Der Certo" venceu concurso para a produção de filmes de baixo orçamento promovido pelo Ministério da Cultura. São premiados os melhores roteiros de histórias que devem ser filmadas com até R$ 1 milhão -valor do prêmio oferecido.
A trama de "Se Nada Mais Der Certo" está centrada nas peripécias do jornalista Leo (Cauã Reymond) e do grupo de amigos que gravita em torno dele, desde que suas pretensões profissionais fracassam e ele se torna um estelionatário.

"Escolha"
"Ele é um cara que veio da classe média e faz uma escolha. É uma escolha moral", diz Reymond, descartando a interpretação de que seu personagem seja conduzido ao crime pela ausência de oportunidades em sentido contrário.
Para interpretar os amigos de Leo, Belmonte reuniu "vários atores de várias escolas", como ele mesmo descreve. E para harmonizar as interpretações entre eles, o diretor propôs a todos que "encontrassem a freqüência de seu personagem" e, na hora de interpretar as cenas, se deixassem levar "pelo fluxo". O "fluxo" é algo como a coerência interna do personagem. Na prática, isso quer dizer que Belmonte abre grande espaço às improvisações enquanto filma e pode alterar parcialmente ou por completo uma cena escrita, passando a aceitar as sugestões dos atores.

Impasse
Foi o que ocorreu na última sexta, na cena em que a personagem de Luiza Mariani encontrava-se "num impasse", na descrição do diretor. Sem saber se deveria seguir o mesmo caminho de Leo ou tomar outro rumo, ela se refugia num hotel no centro de São Paulo -expediente usado também por outros personagens de Belmonte em "Meu Mundo em Perigo".
Antes de filmar a cena em que se angustia, toma vinho, ingere comprimidos e chora, Mariani agachou-se na sacada do hotel. O movimento, não previsto pelo diretor, foi incorporado à cena, rodada com a câmera dentro do quarto.
O vidro da janela entre a atriz e a câmera deu à imagem, captada à contraluz, um ar de ligeira indefinição. Privilegiar "o desfocado e o não-dito", disse Belmonte, respondia a outra de suas invejas, pela obra "do [diretor italiano Michelangelo] Antonioni [1912-2007], em que tudo é silêncio e não-dito".

"Mamute"
Na primeira versão do roteiro de "Se Nada Mais Der Certo", os personagens da história eram oriundos de Brasília. Desinteressados da carreira no serviço público, migravam para São Paulo, em busca de uma vida profissional mais atraente.
Na hora de filmar, Belmonte decidiu não explicitar a procedência dos personagens, deixando claro apenas que são forasteiros em São Paulo.
O diretor diz que desistiu de evocar o conjunto de significados que acompanha toda menção à capital do país. "Quando se fala em Brasília, vem um mamute junto. Não quis trazer o mamute", afirma.


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