São Paulo, sábado, 18 de dezembro de 2010 |
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CRÍTICA AUTOBIOGRAFIA Stein adota aparente infantilidade para narrar o óbvio da vida Em "Autobiografia De Todo Mundo", autora cria colagem humana em que aparecem tanto Picasso quanto o carteiro
NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Se a heteronomia -assumir que alguém sempre é também outra pessoa- ainda é minimamente velada em "A Autobiografia de Alice B. Toklas", dado o título um pouco farsesco, em "Autobiografia de Todo Mundo", recentemente relançado pela Cosac Naify, não há mais espaço para disfarce algum. Gertrude Stein (1874-1946) são todas as pessoas de quem ela fala e com quem ela convive. Quem sabe, todos eles também não sejam um pouco a própria Gertrude Stein? Afinal, esta colagem de humanos, acontecimentos e lugares se revela também na própria linguagem cubista da narrativa, em que quase tudo está e é todo o resto e todos os lugares podem ser também os outros lugares. O que a narrativa aparentemente infantil de Gertrude Stein nos revela, neste livro em que passam Picasso (1881-1973), Picabia (1879-1953), Chaplin (1889-1977), Dashiel Hammet (1894-1961), da mesma forma como o carteiro, a vizinha e as criadas, é que, muitas vezes, a vida não é mais nem menos do que simplesmente o óbvio. "Se você vence você não perde e se você perde você não vence." Parece risível, mas dentro de um contexto narrativo de tanta convicção, repetição e dinâmica temporal e espacial das obviedades, vamos nos dando conta de que o óbvio é justamente aquilo que precisamos esconder ou embelezar, para depois cairmos justamente nele. Gertrude Stein não tem pudores formais nem morais. É bom ter dinheiro, é bom ser famoso, é bom ter amigos e pode ser bom ser avarento. Uma espécie de companheiro do Manifesto Antropófago, que também sabia declarar: "Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago." É disso que se trata esta autobiografia -com tradução excelente de Júlio Castañon Guimarães. Cada um é o ladrão de todos e vice-versa; e é por isso que é bom estar vivo. Numa pontuação caótica e livre, Gertrude Stein conta sobre a vida em Billignin junto com a amante Alice B. Toklas, sobre a repercussão de seu livro anterior, sobre a ida aos Estados Unidos e, principalmente, sobre a companhia de seus amigos conhecidos e desconhecidos. "Todos sabem que se você é muito cuidadoso, você fica tão ocupado em ser cuidadoso que pode estar certo de tropeçar em algo." Talvez Gertrude Stein não tropece e seu fluxo corra livremente, porque não é o cuidado o que a caracteriza, mas a coragem de destravar os escrúpulos da linguagem e de uma certa moral da correção. Se agora, em 2010, esta ainda é uma postura difícil, imaginem na Paris pré-guerra de 1937. AUTOBIOGRAFIA DE TODO MUNDO AUTORA Gertrude Stein EDITORA Cosac Naify TRADUÇÃO Júlio Castañon Guimarães QUANTO R$ 75 (360 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Livros: Livro expõe êxito de Dumont com balões Próximo Texto: Crítica/Romance: Comunismo e assassinatos movem trama de Rex Stout Índice | Comunicar Erros |
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