São Paulo, sábado, 19 de janeiro de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"ISADORA: A SENSATIONAL LIFE"

Vida de dançarina é vista à distância

JENNIFER DUNNING
DO "NEW YORK TIMES"

Será que o mundo precisa de outra biografia de Isadora Duncan? Mais histórias de promiscuidade alcoólica, dança desgrenhada e catástrofes melodramáticas? O título pouco promissor da nova biografia de Peter Kurth alimenta essa fadiga com respeito a Duncan. E isso é uma pena. Kurth pesquisou exaustivamente e obteve acesso a arquivos pouco conhecidos. Mas absorveu o material como um dançarino alojando uma coreografia em sua memória muscular e destilou os detalhes em uma evocação pungente e altamente legível da tumultuada vida de Duncan.
Kurth não é especialista em dança. Seus livros anteriores incluem biografias do czar Nicolau e sua mulher Alexandra e da jornalista norte-americana Dorothy Thompson. Uma das poucas coisas que falta no bem produzido "Isadora: A Sensational Life" é um senso forte do arco e do impacto da carreira de uma artista considerada como a primeira dançarina moderna dos EUA.
Mesmo leitores sofisticados em termos de balé provavelmente encontrarão suas revelações sobre a arte de Duncan nas minúcias de sua vida e carreira, registradas por Kurth a uma distância discreta, às vezes irônica, de um assunto que ele claramente admira.
Kurth é um guia cheio de tato sobre os eventos maiores na momentosa vida da bailarina. Descreve as profundas alterações em sua carreira, repleta de exaltações e de quedas humilhantes.
E Kurth não simpatiza muito com a maioria dos amantes de Duncan, que no geral eram homens complicados. Ele é especialmente severo quanto a Gordon Craig, o cenógrafo que foi um dos primeiros grandes amores da dançarina. Mas, como bom biógrafo, Kurth é, ao mesmo tempo, capaz de sugerir o quanto Duncan deve ter sido difícil como amante.
Os empreendimentos de Duncan no campo da educação para a dança também são tratados com cuidado. Kurth relata com graça os fatos das turnês intermináveis dela, no começo da carreira, para angariar o dinheiro necessário a manter suas escolas gratuitas em funcionamento e para sustentar Craig e a família de Duncan, perpetuamente empobrecida. Excertos bem selecionados de resenhas sugerem a ascensão e queda de sua reputação artística, muitas vezes mais ligada a boatos sobre seu comportamento do que ao desempenho dela em cena.
Ele não se prende aos detalhes dos desastres na vida de Duncan. A descrição que faz da morte da dançarina é rápida e brutal como deve ter sido a fratura das vértebras dela quando o lenço que usava ao pescoço se prendeu à roda do carro em que viajava.
A infância relativamente singela de Duncan é a parte mais fascinante da biografia. Ainda intocada pela imensa escala dos eventos posteriores de sua vida, Kurth reflete sobre como aquela menina se tornou Isadora Duncan. A mãe desequilibrada, abandonada pelo marido, pai de Duncan e seus três irmãos, a preparou cedo para a vida de independência sexual.
A personalidade desse pai tão almejado por ela ressurge, ainda que sutilmente, em todos os amantes de Duncan, homens tão incapazes quanto ele de fidelidade e de vidas práticas. Kurth oferece o contexto para o trabalho e a obra de Duncan, incluindo análises sucintas do efeito que as teorias científicas e sociais de sua época tiveram sobre a bailarina.
"Ela não era feminista em nenhum sentido organizado ou político", escreve ele. Do mesmo modo que rejeitava o casamento como opressivo e desnecessário, "negava que uma dançarina precisava de homens que a dirigissem, treinassem, guiassem".
Em todo o livro, enfim, Kurth sugere um imenso valor intrínseco para uma vida e uma carreira profundamente problemáticas.


Tradução Paulo Migliacci

ISADORA: A SENSATIONAL LIFE. De Peter Kurth. Editora: Little, Brown & Company. 652 págs., US$ 29,95. Onde encontrar: www.amazon.com.


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