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LITERATURA
A Folha esteve em dezembro na casa de Gregorio Fuentes, o pescador que foi inspiração para "O Velho e o Mar"
Cuba perde último amigo de Hemingway
FÁBIO VICTOR
EM COJÍMAR (CUBA)
Depois de conhecer três séculos,
Gregorio Fuentes agora sonha
com leões.
Não importa se ele inspirou
Santiago, o simples e complexo
personagem de "O Velho e o
Mar", de Ernest Hemingway, versão alimentada durante anos e
usada para noticiar sua morte no
domingo passado -mas que o
próprio Gregorio, por reserva ou
sinceridade, certa vez rechaçou.
O fato se basta: o homem que
morreu aos 104 anos no vilarejo
de Cojímar, a 20 km de Havana,
era o último elo vivo de Hemingway com Cuba, onde o Prêmio
Nobel norte-americano viveu por
22 anos, de 1938 a 1960.
Conheceram-se em 28, quando
o pescador ajudou o escritor numa tormenta perto das ilhas Dry
Tortuga, no estreito da Flórida, e,
desde que Hemingway decidiu se
instalar em Cuba, convidou Gregorio para ser o capitão do Pilar
-o barco em que ia com o patrão
pescar agulhões e no qual os dois
caçaram submarinos nazistas na
Segunda Guerra Mundial.
Há pouco mais de um mês, em 6
de dezembro, a Folha esteve na
pequena casa onde Gregorio
Fuentes viveu por 75 anos.
Alquebrado como Santiago
após a luta com o marlim azul, o
marinheiro estava numa cadeira
de rodas e mal conseguia falar.
Vestia um boné com a inscrição:
"Capitán Gregorio Fuentes".
O câncer na região da garganta
produzira uma bola de carne em
seu pescoço, mas não o impedira
de continuar fumando diariamente seus "puros". Um balde ao
lado da cadeira aparava as cusparadas que sucediam as baforadas.
Com a abertura do turismo em
Cuba, virara, mesmo em estado
quase vegetativo, arrimo de família. Era um museu vivo. Os estrangeiros que visitavam Cojímar descobriam a casa, e nos últimos
anos o neto Rafael Valdéz Fuentes, 48, virou uma espécie de guia.
Recebia os visitantes, contava
histórias e mostrava recordações
da amizade, instava os turistas a
tirar fotos e assinar o livro de visitas. Em troca, recebia uns dólares
dos encantados forasteiros.
Quase num sussurro, Gregorio
disse à Folha que não, os intrusos
não incomodavam: "São amigos". No mais, questionado sobre
a relação com Hemingway, murmurou: "Era como um pai para
mim, um homem muito bom".
E, de fato, escritor e marinheiro
deram em vida mostras de um
profundo carinho um pelo outro.
Hemingway bebeu em Gregorio
para fazer personagens (além de
Santiago, o capitão Antonio, de
"As Ilhas da Corrente"), deu-lhe o
Pilar quando deixou Cuba e, em
homenagem ao marujo, batizou
seu filho mais novo de Gregory.
Gregorio foi um dos pescadores
de Cojímar que arrancaram pedaços de bronze de seus barcos para
levantar o busto que até hoje homenageia Hemingway na pracinha à beira-mar da cidade e viveu
seus 104 anos a idolatrar "Papa".
Tudo na sua pequena casa de
dois quartos lembra a amizade: o
quadro na parede com o retrato
dos dois, a outra tela reproduzindo uma pescaria de marlim em alto-mar, a vara de pesca herdada
do escritor, o surrado boné destacando o seu nobre ofício.
"Vamos manter tudo exatamente igual, todos os objetos ficarão onde estavam, como lembrança dele", disse anteontem à
Folha, por telefone, o neto Rafael.
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