São Paulo, quarta-feira, 19 de janeiro de 2005

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FOTOGRAFIA

National Portrait Gallery, de Londres, conta trajetória da fotógrafa e modelo Lee Miller em mostra de sua obra

Olhar surrealista justapõe guerra e moda

Associated Press
A modelo Lee Miller, tema de mostra em Londres, posa para David Scherman em banheira que foi de Adolf Hitler, em 45


JACKIE HUNTER
DO "INDEPENDENT"

Como modelo e musa dos surrealistas nos anos 20, e também como filha de um fotógrafo amador, teria sido fácil para Lee Miller passar sua vida como objeto dos olhares masculinos. Mas uma existência diante das câmeras não estava nos planos de Miller. Aos 22 anos, ela passou para o outro lado das lentes e voltou seu foco à justaposição de beleza e brutalidade da vida do século 20.
Foi o começo de uma trajetória que será celebrada em exposição na National Portrait Gallery, de Londres, em fevereiro.
Nascida em Poughkeepsie, Estado de Nova York, em 1907, Miller era reverenciada por sua aparência, mas estava menos interessada em sua imagem do que em seguir carreira como artista.
Aos 19 anos foi estudar em Nova York. Lá, em 1926, ela foi literalmente tirada da sarjeta por um dos homens mais influentes do mundo da moda. Miller colocou o pé no meio-fio, sem perceber a aproximação de um carro, quando alguém a segurou pelo braço. O herói de Miller? Condé Nast, o dono da "Vogue".
O encontro deu origem à carreira de Miller na moda. Ela emprestou sua beleza a capas de revista e posou para os principais fotógrafos da era (Edward Steichen, George Hoyningen-Huene).
Em 1929, Miller se mudou para Paris. Tendo o fotógrafo surrealista Man Ray como sua inspiração artística, ela foi ao estúdio dele e exigiu um emprego. Ao longo dos quatro anos seguintes, Ray se tornou amante e professor de Miller. Foi ela que supostamente descobriu por acaso o processo que os levou a desenvolver a solarização, técnica que define o estilo de Ray. Miller deixou Man Ray em 1933. Os homens surrealistas, apesar de toda a rejeição às convenções, em geral não se incomodavam com a vida menos liberada que as mulheres próximas a eles levavam. Para Miller, uma das atrações dos preceitos surrealistas era a liberdade de experimentar sexualmente. Incapaz de segurá-la, Man Ray foi destruído pelo ciúme.
Miller voltou a Nova York, onde se casou com o milionário egípcio Aziz Eloui Bey e passou os cinco anos seguintes vivendo no Cairo. Lá produziu uma série de paisagens do deserto que estão entre suas obras mais refinadas.
Ela trocou Bey por Roland Penrose, um rico artista e colecionador de arte inglês, em 1939. Com a iminência da guerra, os dois voltaram à Inglaterra.
No início dos anos 40, atraída pela adversidade, ela queria se tornar fotógrafa de guerra, mas o Exército britânico não permitia que uma mulher executasse o trabalho. Penrose era velho demais para ser convocado, então, ela se viu forçada a aturar a vida doméstica. Foi aos escritórios da "Vogue" e convenceu a revista a empregá-la. Produziu páginas de moda magistrais em termos de composição e os aspectos tópicos refletiam o surrealismo, com modelos imaculadas posando em áreas bombardeadas de Londres.
Foi quando ela conheceu David Scherman, 25, um repórter fotográfico da revista "Life". Após se tornar amante dele, ela levou Scherman à casa de Penrose, formando um ménage à trois. Mas a maior contribuição de Scherman foi seu apoio aos planos dela de ir à guerra. As forças britânicas talvez não a admitissem, afirmou, mas o Exército dos EUA o faria.
Em 1945, Miller desembarcou em uma praia da Normandia, de onde foi a St. Malo, onde a batalha prosseguia, e tirou algumas de suas primeiras fotos de guerra. Como provável única mulher a trabalhar como fotógrafa na Segunda Guerra, Miller capturou os primeiros dias da libertação de Paris e os horrores do campo de concentração de Dachau, quando este foi descoberto. Tornou-se correspondente oficial de guerra do Exército dos EUA e da "Vogue" britânica, e em 1945 posou nua na banheira de Hitler para David Scherman, no apartamento do ditador alemão em Munique.
O final da guerra também trouxe o fim da felicidade para Miller. Voltou para Penrose em 1946 e se casou com ele. Continuou trabalhando na "Vogue", produzindo moda e retratos. Em 1947, nasceu seu único filho, Antony Penrose.
Mudaram-se para Farley Farm, no East Sussex, em 1949, onde Miller se sujeitou a uma vida quieta. Só fotografava familiares e amigos, até morrer de câncer, 18 anos depois. Sua obra como fotógrafa estava esquecida até 1985, quando Antony Penrose descobriu um arquivo com 50 mil imagens.

Tradução Paulo Migliacci


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