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crítica
Quiroga escreve para crianças de forma inusitada
MICHEL LAUB
ESPECIAL PARA A FOLHA
A ficção infanto-juvenil costuma ser avaliada com certa condescendência, mais comprometida com a formação do
cidadão que com a do leitor.
Não é difícil perceber os resultados desse paternalismo:
histórias politicamente corretas, com temas que tentam
aproximar a literatura da
"realidade cotidiana" ou despertar a consciência para a
diversidade social, étnica e
religiosa do mundo, freqüentemente ganham elogios e
adoções em escolas na mesma medida em que sua estética insossa é ignorada.
Diante de um cenário assim, é promissor o lançamento de uma coletânea como "Contos da Selva" (1918),
do uruguaio Horacio Quiroga (1878-1937). Anunciado
como infanto-juvenil, mas
talvez mais próximo das narrativas para crianças, o livro
chama atenção por abdicar
de um caráter utilitário, que
emprestaria às suas histórias
uma pregação ecológica ou
um sentido moral.
Quiroga obtém esse resultado, quase sempre, experimentando com as convenções da fábula e do causo. No
primeiro caso, em textos como "O Papagaio Pelado", cujo protagonista se vinga de
uma onça que o atacou indicando seu paradeiro a um caçador, tem-se os bichos que
falam e agem como humanos, mas não a lição edificante no desfecho. No segundo,
a verossimilhança e coerência narrativa do causo são
abandonadas em textos como "As Meias dos Flamingos", talvez a mais inusitada
de todas, em que pássaros
entram fantasiados num baile de cobras e passam o resto
da vida pagando pelo erro.
Resta saber se ambas as soluções, cuja originalidade é
louvável, mas externa à fruição estética das histórias, são
suficientes para garantir o
valor literário de "Contos da
Selva". A resposta é difícil,
até porque há contos que fogem à regra aqui descrita, como "A Abelhinha Malandra",
fábula tradicional e previsível, ou "A Tartaruga Gigante", sem a densidade que
transforma o relato em literatura.
Por outro lado, há qualidades inegáveis na prosa de
Quiroga: o classicismo elegante, que ficaria bem num
texto contemporâneo, e a generosidade descritiva, que
torna acessível o mundo então pouco explorado de bichos e plantas das províncias
argentinas -lugares onde o
autor viveu muitos anos.
Somada a isso, a capacidade de comover em construções simples como "A Gama
Cega", sobre um veado salvo
por um caçador, ou "História
de Dois Filhotes de Quati e
de Dois Filhotes de Homem", que mostra uma convivência terna entre as espécies, dão ao livro um balanço
positivo. Não para transformá-lo num clássico, mas o
bastante para ser lido com
interesse quase um século
depois de sua publicação.
MICHEL LAUB é autor dos romances "Longe
da Água" e "O Segundo Tempo"
CONTOS DA SELVA
Autor: Horacio Quiroga
Tradução: Wilson Alves-Bezerra
Editora: Iluminuras
Quanto: R$ 29 (128 págs.)
Avaliação: bom
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