São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2001

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CINEMA

Há 22 anos à frente do Festival de Berlim, Moritz de Hadeln diz que tecnologia porá fim a eventos como esse

Diretor despede-se pessimista com o futuro dos festivais

AMIR LABAKI
EM BERLIM

Moritz de Hadeln despediu-se neste ano da direção do Festival Internacional de Cinema de Berlim, encerrado ontem. Foram 22 anos que, entre acertos e erros, devolveram o evento à lista das principais mostras mundiais.
Sob a liderança desse filho de romeno com inglesa, nascido na Inglaterra em 1940, Berlim reaproximou-se de Hollywood -para alguns, até demais -, abraçou a idéia de uma cinematografia paneuropéia e revelou, nos anos 80, a onda do cinema chinês (Zhang Yimou, Chen Kaige).
Durante sua gestão, há dois anos, "Central do Brasil", de Walter Salles, venceu o Urso de Ouro -maior reconhecimento para uma produção nacional desde a Palma de Ouro de "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, em 1962.
"Central do Brasil" foi, aliás, o único título latino-americano da restritíssima lista de 20 títulos escolhidos por ele para serem exibidos neste ano na retrospectiva "Os Favoritos de Moritz". Moritz justifica-se dizendo que o filme de certa forma representa o conjunto da América Latina "por sua maneira única em que comunica a atmosfera e o sentimento de estar perdido num continente infinito, em busca de uma referência".
Durante o festival, Moritz manteve um encontro relaxado com os membros do júri da crítica. Leia abaixo uma síntese de suas declarações.

BRASIL - Em 20 anos, nunca consegui ir. É impossível, nos dois meses de seleção, visitar a China, os EUA e a América Latina. Mas estive lá em 1977, quando dirigia o festival de Locarno.

MEMÓRIA MAIS FORTE - É a da saída da projeção de "Stammheim", de Reinhard Hauff, em 1986 (sobre os terroristas Baader e Meinhoff). Deixando a sala, havia um outro muro -este de plástico, formado pelos cacetetes e capacetes dos policiais. Do ponto de vista político, me orgulho de 1990, poucos meses após a queda do Muro, mas ainda antes da reunificação formal, quando conseguimos que as autoridades da então Alemanha Oriental aceitassem os crachás do festival como documentos válidos para que espectadores fossem ver filmes também em Berlim Oriental.

CINEMA ALEMÃO - O filme da abertura, "Enemy at the Gates" (de Jean-Jacques Annaud), custou US$ 95 milhões. Todos os efeitos foram realizados aqui na Alemanha. Goste-se ou não, é um cartão de visitas para o potencial de produção do cinema alemão.

DESTAQUES DO ANO - Fiquei muito impressionado com o concorrente coreano, "Gong Dong Kyung Bi Gu Yuk Jsa" (Zona de Segurança), de Park Chan-wook. É uma surpresa pela coragem política com que trata das tensões entre a Coréia do Norte e a do Sul. O documentário de Jan Harlan sobre Stanley Kubrick tem muitas cenas inéditas, tiradas de filmes caseiros. Diverti-me muito também com a versão de John Boorman para "O Alfaiate do Panamá", de John Le Carré.

DECEPÇÕES DO ANO - Foi uma pena o problema com "The Pledge". Jack Nicholson está estupendo. Sean Penn o queria muito em competição, mas diretores não apitam em conflitos de produtores e distribuidores como o que cancelou a vinda do filme. Eu queria muito ter apresentado também o novo filme que Werner Herzog rodou em ilhas australianas, mas ele não ficou pronto. Foi o caso também de "Moulin Rouge", de Baz Luhrmann.

PROJETOS PESSOAIS - Transfiro-me para a empresa de consultoria em negócios cinematográficos, de co-produções a festivais, que estou montando com minha mulher, Erika (ex-diretora do festival de documentários de Nyon). Chama-se "De Hadeln & Partners".

FUTURO DO FESTIVAL - Já antes de minha substituição, eu afirmava: temo pelo futuro de festivais como este ou mesmo Cannes. Em cinco, dez anos, a tecnologia digital vai obrigar os estúdios a encurtar os prazos de lançamento e distribuição internacional de seus filmes. Não haverá como articular datas com o período dos festivais.


O jornalista Amir Labaki está em Berlim como membro do júri da crítica internacional



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