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Dolores do agreste
DJ pernambucano ganha prêmio britânico e inova cenário pop com propostas alternativas de criação
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Enquanto alguns artistas esperam definições sobre que configurações a música terá no futuro, há
os que põem a mão na massa e inventam eles próprios os novos
modelos. O DJ Dolores (codinome do pernambucano Helder Aragão, 36) é dos mais atuantes e
ativos nesse segundo grupo.
Prestes a se apresentar no festival anticarnavalesco Rec Beat, Dolores abandonou por completo os conceitos e manias da indústria fonográfica.
Já gravou e lançou dois discos por
meios alternativos, tem engatilhados mais dois para este ano.
Um deles será assinado pela
Aparelhagem, nova banda/projeto de um artista que já gravou sozinho e comandou a Orchestra
Santa Massa, num mix de raiz
pernambucana e música eletrônica anos 2000.
Ainda em produção, "Aparelhagem" deve ser o primeiro produto do Azougue Discos, selo de
Dolores em parceria com o produtor Paulo André. "Estamos na
fase de articulação para que haja
simultaneidade de lançamento no
Brasil, na Europa e na América do
Norte", arquiteta.
O outro disco, já pronto, é a trilha do filme "Narradores de Javé",
que será lançado neste semestre
sob a alcunha "DJ Dolores versus
Instituto" (o coletivo paulistano
co-produziu o trabalho).
"Decidimos que o CD com a trilha tinha que ser um produto
mais atraente. Deixei os rapazes
do Instituto livres para mixarem
ao modo deles, inclusive agregando parcerias", explica, desfiando
novos modos de parceria.
Adepto de uma filosofia libertária de direitos autorais, cedeu à
Folha gratuitamente a gravação
"Narradores (Instituto Mix)".
Você pode ouvi-la pelo tel. do Folha Informações (0/xx/11/3471-4000, opção 4, ao custo da ligação,
apenas) ou fazer download em
www.folhainformacoes.com.br.
Além de tudo, Dolores procura
fazer do aperto econômico um
trunfo: dispensa intermediários e
assessores e faz, ele próprio, a divulgação de seu trabalho junto a
produtores de shows, jornalistas
etc. "Sou meu próprio divulgador", diverte-se.
Club global
A estratégia de Dolores produz
efeitos que ultrapassam as fronteiras do Brasil natal. Já se apresentou entre Björk e Moby, em
Portugal, e após o Coldplay, na
Dinamarca.
Na Inglaterra, acaba de vencer o
prêmio BBC Awards, na categoria
denominada "club global". "É um
rótulo para a world music eletrônica, o jeito gringo de catalogar a
eletrônica não ortodoxa", define.
Afora exotismos world music,
defende a importância da premiação: "É o reconhecimento de um
trabalho inovador. Estou efetivamente apresentando uma nova
informação. Faço parte das pessoas que estão em busca da batida
perfeita, seja lá em que sotaque ou
idioma for".
Pouco conhecido aqui e acreditando na vigência do que chama
"espírito do colonizado" (segundo o qual "só é bom o que vem de
fora"), ele ainda assim diz que não
se julga um brasileiro exilado do
Brasil em Recife, onde mora.
"A decisão de investir numa
carreira internacional é pragmática. Gera bons cachês, é estável e
altamente profissional", diz. E
ressalta que seu "Contraditório?"
(Candeeiro, 2002) chegou a ser o
título mais vendido entre os distribuídos pela Trama.
Negando o exílio, avança também contra o que chama de centralismo interno, especialmente
de São Paulo. Reclama que só são
mencionados Rio e São Paulo
quando se fala sobre DJs daqui.
"É lamentável que cenas tão ou
mais interessantes sejam relegadas ao esquecimento", afirma,
exemplificando com a cena de
DJs de reggae de São Luís (MA),
os remixes piratas do "tecnobrega" de Belém (PA) e os DJs pernambucanos, que se multiplicam
desde o mangue beat.
"Todos nós éramos DJs. As bandas do mangue beat vieram depois e influenciaram a música dos
anos 90 muito além do gueto
clubber", revisa a história.
"Sou um cidadão do mundo e
reivindico o papel da cultura do
Norte/Nordeste na formação do
Brasil moderno. Sem bairrismo e
xenofobia, mas com a dignidade
merecida", encerra, num apelo
implícito de "vejam-me", "escutem-me", "consumam-me".
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