MÁRVIO DOS ANJOS
DA REDAÇÃO

Se buscarmos um equivalente musical ao trabalho realizado ao estudo étnico-histórico que Euclydes da Cunha fez em "Os Sertões", é possível que a resposta seja Mário de Andrade (1893-1945). Essa é a mensagem de "Piano e Ganzá - O Mundo Musical de Mário de Andrade", que a TV Cultura exibe amanhã.
Um dos principais artífices da Semana de Arte Moderna de 1922, o autor de "Macunaíma" também era músico e musicólogo. Professor de piano, tinha uma crença politeísta na música: não se fixava em um gênero, queria todos.
Essa paixão o fez estudar minuciosamente os gêneros musicais do folclore nacional, pelo que eles tinham de coletivo, emocional e anônimo. Redigiu ensaios críticos sobre eles com rara visão técnica e "o máximo respeito analítico que os meus ouvidos receberam", como declarou.
"Piano e Ganzá" se rende com o maior prazer aos textos de Mário, ao mesmo tempo em que dá voz a historiadores, músicos e até alunos do "Homem de 22". É quando se constata seu maior achado: fazer Mário conversar com os dias de hoje.
Assim tem-se um grande contato com a visão crítica de Mário a respeito da arte que emana do povo. Sem pruridos elitistas ou eruditos, o estudioso sujou suas mãos na cultura da terra e colheu ensaios profundos sobre as raízes de ritmos como a chegança de marujos, a congada e o maracatu.
Na face musical de Mário, "Piano e Ganzá" reforça a imagem dele como um homem que fez o Brasil respeitar a si mesmo e a arte nacional apoiar-se em suas raízes históricas; no caso, a mistura.