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CONTOS/"DELTA DE VÊNUS"
Tempo não é cruel com Anaïs Nin
Edward Weston/Associated Press/Philips Collection
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"Nu", obra de 1936 do fotógrafo americano Edward Weston |
ELIANE ROBERT MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há livros cujas histórias parecem superar qualquer expectativa que se possa ter sobre
seus conteúdos. É esse o caso dos
contos eróticos que Anaïs Nin
reuniu sob o título "Delta de Vênus". Apesar do inegável poder de
atração do erotismo literário e da
curiosidade que esse tipo de texto
costuma provocar, a ficção obscena da autora não consegue suscitar tanto interesse quanto a formidável história de seu livro.
Tudo começou em Paris, no final da década de 1930, quando ela
conheceu Henry Miller. Tendo se
tornado grande amiga e amante
do escritor, compartilhava com
ele o sonho de sobreviver de literatura numa cidade que, na época, era uma espécie de Meca dos
artistas norte-americanos.
Foi para remediar as contas de
um orçamento precário que ela
decidiu escrever histórias eróticas, atendendo a encomenda de
um colecionador que lhe pagava
US$ 1 por página. Na verdade, o
convite havia sido feito originalmente a Miller, mas este logo declinou por julgar a atividade "castradora" em termos de criação.
Os pormenores dessa curiosa
história estão registrados no terceiro volume do famoso "Diário"
da escritora, que "Delta de Vênus" apresenta em versão resumida. Anaïs Nin conta que, no empenho de se concentrar na descrição das cenas sexuais, passou dias
e dias em uma biblioteca, estudando desde a arte erótica do
"Kama Sutra" até o compêndio
de Kraft-Ebing sobre as perversões. O resultado é uma obra ousada, que enfrenta temas delicados como a bissexualidade, o incesto e o estupro.
Mais vendido
Texto corajoso, sobretudo, se
lembrarmos que foi criado no início dos anos 40 e, ainda mais, por
uma mulher. Talvez isso explique
sua edição tardia, uma vez que só
veio a público em 1977, logo após
a morte da escritora. Anaïs Nin
não pôde testemunhar, portanto,
o estrondoso sucesso do volume,
que, uma vez lançado, se manteve
durante 36 semanas nas listas dos
best-sellers do país.
"Delta de Vênus" foi o livro certo na hora certa. Sua recepção se
beneficiou da voga de publicações
voltadas para a conquista da liberdade sexual que, na década de 70,
rendeu títulos de enorme popularidade como "O Relatório Hite",
"A Mulher Sensual" ou "Os Prazeres do Sexo". Some-se a isso o
fato de ter sido considerada a primeira ficção obscena de língua inglesa escrita por uma mulher, justamente num momento em que a
sexualidade feminina se tornava
objeto de grande atenção. Cultuados pelas feministas, os contos de
Nin lançavam luz sobre a enigmática diferença das mulheres.
Com uma trajetória assim tão
rica, seria de supor que o livro reservasse boas surpresas também
na leitura. Mas o texto não cumpre a promessa. A tentativa de
criar uma escrita erótica em sintonia com as emoções, o que, para a
autora, definiria a voz feminina,
muitas vezes desemboca num
certo tom sentimental que neutraliza a violência poética do erotismo literário.
Lido à luz de sua história, porém, "Delta de Vênus" pode oferecer ao leitor um vislumbre das
tensões sobre o sexo que transformaram em definitivo a paisagem
sensível do século 20.
Eliane Robert Moraes é professora de
estética e literatura na PUC-SP e no Senac. Publicou, entre outros, "O Corpo Impossível" (Iluminuras)
Delta de Vênus
Autora: Anaïs Nin
Editora: L&PM Pocket
Quanto: R$ 19 (304 págs.)
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