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DRAUZIO VARELLA
Estratégias sexuais
A seleção natural prestigia
a capacidade reprodutiva
dos competidores, não a de sobrevivência. Como previu Charles
Darwin, que vantagem genética
leva um organismo com características que lhe asseguram boa
saúde e longevidade se for infértil?
Salvo poucas exceções, a energia
investida pelas fêmeas para gerar
e cuidar da prole é o fator limitante do crescimento populacional. O
filho que consegue sobreviver até
atingir a maturidade sexual é que
assegura a permanência dos genes maternos nas gerações futuras. O número de parceiros sexuais que a mãe teve não vem ao
caso.
Nos machos, o sucesso reprodutivo depende diretamente da capacidade de fertilizar óvulos. Desde que a vida sexuada surgiu na
Terra, há pelo menos 1 bilhão de
anos, foram consagradas duas estratégias masculinas: poligamia e
monogamia. Ambas têm riscos e
benefícios que precisam ser avaliados pelo macho com cuidado
extremo, sob pena de seus genes
desaparecerem do mapa.
A poligamia é extremamente
popular na escala animal, porque
confere as vantagens de explorar
simultaneamente a capacidade
reprodutiva de várias fêmeas e de
dar origem a descendentes com
maior diversidade genética. Em
contrapartida, expõe aos perigos
de enfrentar competidores ciumentos e adquirir doenças causadoras de esterilidade, à incerteza
de encontrar parceiras no período
fértil e à menor probabilidade de
sobrevivência da prole criada sem
o pai por perto.
Apesar de impor limites rígidos
ao número de filhos que um macho poderá gerar, a monogamia
tem a vantagem de facilitar o
acesso à ovulação, impor barreiras à infidelidade feminina e proporcionar cuidados paternos.
Estudos recentes abalaram o
paradigma tradicional de que o
macho, por ser fisicamente mais
forte na maioria das espécies, impõe seus genes à descendência das
fêmeas. Pesquisas genéticas em
insetos, tartarugas, aves e em praticamente todos os mamíferos demonstram que a infidelidade feminina é arma decisiva no processo de seleção natural.
Nos pássaros, por exemplo, a
necessidade de construir ninhos,
protegê-los e alimentar os filhotes
é considerada justificativa para o
comportamento monogâmico de
várias espécies, porque os machos
só investiriam tanta energia
quando seguros da paternidade.
Mas pesquisas têm revelado que a
poligamia entre pássaros é muito
mais freqüente do que se imaginava. Patrícia Gowaty, da Universidade da Geórgia, ao testar
DNA em 180 espécies de pássaros
cantores acasalados em liberdade
segundo padrões aparentemente
monogâmicos, verificou que apenas cerca de 10% dos filhotes carregavam os genes do pai social.
Para entender essa discordância entre monogamia social e sexual, não se pode invocar a justificativa clássica da violência masculina, porque, nas espécies estudadas, não apenas a fecundação
exige participação ativa da fêmea
como esta consegue eliminar o esperma ejaculado se assim o desejar.
Da mesma forma que em outros
vertebrados, por mecanismos mal
conhecidos, as fêmeas dos pássaros cantores parecem concordar
umas com as outras no reconhecimento de qual dos machos é o detentor dos genes mais cobiçados.
Para tanto, baseiam-se no repertório de canções executadas, na
riqueza da plumagem e em detalhes do comportamento. Essas características nem sempre são encontradas no parceiro social escolhido com base no território que é
capaz de defender e pela habilidade em construir ninhos e alimentar filhotes.
No final dos anos 1990, pesquisadores da Universidade da Califórnia realizaram exames de
DNA nos pais e filhos de uma espécie de ratos da Califórnia considerados modelo de monogamia.
De fato, acompanhando 28 famílias desses ratos durante dois
anos, não foi identificado um único filhote concebido por outro pai
que não o social. A explicação encontrada para esse nível de lealdade afetiva é a de que esses animais vivem no topo de montanhas congeladas, nas quais os filhotes nascem no período mais
frio do ano: para sobreviver, precisam ser aquecidos permanentemente pelos pais, cujos corpos se
revezam sobre o deles. Se o pai vai
embora ou é retirado do local, a
mãe mata ou abandona os filhotes à própria sorte.
As forças evolutivas representadas pelos hormônios envolvidos
na definição da estratégia sexual
começam a ser decifradas. Trabalhos experimentais demonstram
que a repetição das relações sexuais entre um casal provoca liberação de ocitocina na circulação feminina, hormônio associado ao comportamento maternal e
à lactação. No macho, a repetição
estimula a produção de vasopressina, relacionada com a agressividade e o comportamento paterno.
Quando a produção desses hormônios durante o acasalamento é
bloqueada experimentalmente,
não ocorre ligação estável entre os
parceiros.
Ocitocina e vasopressina são
hormônios encontrados em todos
os mamíferos. Fisiologicamente, o
que varia de uma espécie para
outra é a região do cérebro em
que eles exercem sua ação.
Em matéria de sexo, o Homo
sapiens está mais para passarinho cantor do que para rato de
montanha gelada, comportamento compartilhado pela quase
totalidade dos demais mamíferos,
seres naturalmente infiéis, entre
os quais somente 3% a 10% adotam a monogamia social como
estratégia de convivência, números que superestimam os índices
de fidelidade conjugal.
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