São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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ROCK

Vocalista comenta as tensões na banda e como as canções do U2 são concebidas, em processo que se aproxima do jazz

Para Bono, The Edge é gigante da guitarra

DA "ROLLING STONE"

Leia continuação da entrevista de Bono, que fala sobre sua viagem à África e da relação com os integrantes da banda:

Pergunta - Depois da viagem à África a banda atingiu um pico.
Bono -
Nos anos 90, eu estava me divertindo muito. Nunca me senti muito bem na posição de astro do rock. Sempre pensei que o posto foi dado ao sujeito errado, que era melhor que fosse entregue ao cantor magricela e pretensioso, e não ao cara com jeito de pedreiro ou boxeador. Eu não era bom naquilo, mas acabei me tornando.
Começou com "Pop", cuja idéia era ser um disco em que celebraríamos a superfície das coisas. Tínhamos uma vida ótima. Ouvíamos dance music, passávamos a noite acordados. Éramos jovens, tínhamos amigos por perto. Foi um período maravilhoso, e tentamos capturá-lo em canções como "Discotheque" e "If You Wear That Velvet Dress". Aquelas canções bonitas, sensuais. Mas em lugar de criarmos um som de festa, nós acabamos com uma espécie de som de ressaca pós-festa. Eu queria descrever meu hedonismo em termos religiosos -como o conceito de Carnaval. Mas o Carnaval talvez tenha durado demais.

Pergunta - Assim, você começou a ascensão ou queda ao estrelato do rock com "The Joshua Tree"?
Bono -
Um pouco, mas não realmente. Nós éramos muito sérios. O que explica aquelas fotos que se tornaram ícones, nossos rostos impassíveis que Anton Corbijn só fotografava depois que parávamos de rir. Lembro que meu agente, Paul McGuinness, me disse: "Você corre o risco de parecer aqueles caras idiotas demais para apreciarem o fato de que estão no topo das paradas". Nós sempre rimos muito, mas nossa persona pública era um tanto consciente, forçada, e precisávamos descarregar a bagagem moral -foi o que fizemos em "Zoo TV". A dualidade, que sempre esteve presente em nós, se destacou mais nos anos 90. E a seguir pode ser que nossos sentidos tenham ficado um pouco sobrecarregados. E eu precisava voltar ao ponto de onde comecei.

Pergunta - Vocês encontraram os problemas habituais do rock quanto a dinheiro, drogas e sucesso.
Bono -
Bem, não pretendo explicá-los em detalhe, mas posso dizer que provei a pizza.

Pergunta - Como vocês lidam com as tensões na banda?
Bono -
Nós evoluímos na maneira pela qual enfrentamos a insatisfação. Talvez o segredo seja que nós damos preferência às idéias e não às pessoas que as tiveram. É justo, essa idéia é boa ou não?

Pergunta - Como é que você se submete à vontade de um grupo?
Bono -
Se isso beneficia a música que fazemos, eu não tenho objeções. Se isso beneficia as personalidades das pessoas que fazem a música, tenho. Tenho perfeita consciência do quanto preciso deles. A idéia de estar numa sala cercado por pessoas que concordam comigo é aterrorizante porque não estou certo de que meu julgamento seja consistente o bastante.

Pergunta - Qual foi a última grande disputa na banda?
Bono -
No começo deste álbum ["How to Dismantle an Atomic Bomb"], havia uma certa irritação entre a gente. Alguém estava tocando canções às quais muito tempo e energia haviam sido dedicados, e as outras pessoas não estavam muito impressionadas. E eu considerei que a resposta delas foi rude. Mas, na verdade, é possível que estivessem certas. Componho muito rápido e improviso letras e melodias. Se elas não funcionam e alguém diz "isso me entedia", é fácil perder a calma. Larry Mullen é parte da banda. Ele está sempre entediado. Você pode cantar com a maior emoção, e ele boceja. Mas seus instintos estão certos 80% do tempo. Se você ficou nos outros 20%, machuca. Adam cai dormindo.

Pergunta - E aí o que acontece, você sai gritando?
Bono -
Eu estou sempre a ponto disso, de qualquer maneira. A fim de cantar, você está sempre a ponto de pular de um edifício alto.

Pergunta - Sobre The Edge, qual é a importância dele para o U2? Acha que ele recebe o crédito merecido?
Bono -
Eu sou definitivamente superestimado no esquema das coisas do U2. É simplesmente uma das coisas que vêm com o território. No entanto, me irrita que esse gênio da guitarra -e gênios raramente são modestos- não se exiba mais. A maior parte do trabalho de guitarra da era do rock é composta por velhos riffs negros retrabalhados por músicos brancos. Há versões maravilhosas deles; mas esse cara, esse homem que eu gosto de definir como zen presbiteriano, realmente redefiniu o território emocional que uma guitarra pode criar.
Há sentimentos que The Edge consegue evocar quando toca guitarra que não existiam no passado. Já vi gente colocar outros guitarristas acima dele em listas porque eles tocam mais rápido. Isso equivale a dizer que a pintura de Jackson Pollock era suja. The Edge é um gigante entre os guitarristas. Um dos grandes.

Pergunta - Como é que vocês concebem uma canção? É possível descrever o processo?
Bono -
Às vezes trabalhamos com composição tradicional, eu e The Edge criamos seqüências de acordes e um esboço de melodia, ou refrão, ou título. Mas a outra maneira de compor é por improviso, e é aí que Larry e Adam contribuem. "Miracle Drug", do novo álbum, começou pela parte de baixo de Adam, e aí eu comecei a cantar; The Edge, a improvisar. Larry tem forte senso melódico. Ele sempre pressiona por clareza. Para uma banda punk, é uma abordagem que tem muito de jazz. Mesmo que o resultado não seja um desses acordes chatos de fusion, ou nada parecido com rock cabeça. "Stuck In a Moment You Can't Get Out Of" é um improviso melódico de The Edge com acordes de piano.


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