São Paulo, domingo, 19 de fevereiro de 2006

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CRÍTICA

Carnaval, TV e o treinamento da alegria

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Um leitor advertiu: o Carnaval na TV "é um suplício". Continuando, pondera que até gosta da festa e dos sambas-enredo, "mas ver atores globais com pouca roupa e querer que isto se torne referência do Carnaval do país, é exagerado e de mau gosto. Somos bombardeados pelas imagens".
Apesar da rabugice com a pouca roupa -é de se perguntar que diferença faz ver mais ou menos centímetros de pele nesse caso- , o leitor indignado provavelmente fala por muitas e muitas pessoas.
O Carnaval, festa exuberante e ruidosa, impõe uma alegria extática que pode ser incômoda.
Quando se junta isso à insistência típica da televisão, isso pode se tornar insuportável.
É incrível como, nesse período, parece inescapável estar ansiando pelas promessas de alegria, de sensualidade e de desregramento geral dos sentidos sugeridas pelas imagens relativas ao Carnaval que passam a dominar a TV.
Os programas de auditório recebem quaisquer personagens minimamente ligados ao reino de Momo, shows dos cantores com os autores dos hits de axé que vão bombar em Salvador aparecem aqui e ali, até o noticiário volta sua atenção aos preparativos da festa...
Mais do que tudo isso, há as vinhetas da Globo. Elas são curtas, breves, se insinuam antes dos programas, entre os comerciais, no momento em que você está distraído, mas (ou talvez por isso mesmo) são tremendamente eficientes: a cada momento, elas te assaltam com a certeza de que é Carnaval, você deve se animar e ficar esperando pela "explosão de alegria".
O curioso é que as vinhetas têm uma dupla função. De um lado, elas têm o aspecto de -e pretendem funcionar como- nota "informativa", em que se mostra ao público o samba-enredo (as vinhetas têm legendas com as letras das músicas) e uma pequena amostra do que será o visual da escola de samba em questão. Assim, o público vai prevendo o imprevisível, ou seja, quem é a escola que, como dizem os comentaristas, "vai empolgar".
De outro, elas funcionam como o treinamento dessa mesma alegria que, ao que parece, é essencial para que o espetáculo seja mesmo espetacular.
Diz-se, há muito tempo, que o Carnaval, sobretudo o do Rio, é calculado para fazer bonito na TV; é verdade, mas só metade dela. Aquilo que "fica bem transmitido pelas câmeras" precisa de gente, se não feliz exatamente, pelo menos exprimindo uma alegria incontrolável. Com imagens manipuladas, estetizadoras, vai se instilando, em doses sabiamente calculadas, a emoção adequada.
Quanto às celebridades, peladas ou vestidas, elas são o de menos. Fazem, com mais ou menos propriedades, o que se lhes pede, que é se exibir.


@ - biabramo.tv@uol.com.br


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