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CRÍTICA
Carnaval, TV e o treinamento da alegria
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Um leitor advertiu: o Carnaval na TV "é um suplício". Continuando, pondera que
até gosta da festa e dos sambas-enredo, "mas ver atores globais
com pouca roupa e querer que isto se torne referência do Carnaval do país, é exagerado e de mau
gosto. Somos bombardeados pelas imagens".
Apesar da rabugice com a pouca roupa -é de se perguntar que
diferença faz ver mais ou menos
centímetros de pele nesse caso-
, o leitor indignado provavelmente fala por muitas e muitas
pessoas.
O Carnaval, festa exuberante e
ruidosa, impõe uma alegria extática que pode ser incômoda.
Quando se junta isso à insistência típica da televisão, isso pode
se tornar insuportável.
É incrível como, nesse período,
parece inescapável estar ansiando pelas promessas de alegria, de
sensualidade e de desregramento
geral dos sentidos sugeridas pelas imagens relativas ao Carnaval
que passam a dominar a TV.
Os programas de auditório recebem quaisquer personagens
minimamente ligados ao reino
de Momo, shows dos cantores
com os autores dos hits de axé
que vão bombar em Salvador
aparecem aqui e ali, até o noticiário volta sua atenção aos preparativos da festa...
Mais do que tudo isso, há as vinhetas da Globo. Elas são curtas,
breves, se insinuam antes dos
programas, entre os comerciais,
no momento em que você está
distraído, mas (ou talvez por isso
mesmo) são tremendamente eficientes: a cada momento, elas te
assaltam com a certeza de que é
Carnaval, você deve se animar e
ficar esperando pela "explosão
de alegria".
O curioso é que as vinhetas têm
uma dupla função. De um lado,
elas têm o aspecto de -e pretendem funcionar como- nota "informativa", em que se mostra ao
público o samba-enredo (as vinhetas têm legendas com as letras das músicas) e uma pequena
amostra do que será o visual da
escola de samba em questão. Assim, o público vai prevendo o imprevisível, ou seja, quem é a escola que, como dizem os comentaristas, "vai empolgar".
De outro, elas funcionam como
o treinamento dessa mesma alegria que, ao que parece, é essencial para que o espetáculo seja
mesmo espetacular.
Diz-se, há muito tempo, que o
Carnaval, sobretudo o do Rio, é
calculado para fazer bonito na
TV; é verdade, mas só metade
dela. Aquilo que "fica bem transmitido pelas câmeras" precisa de
gente, se não feliz exatamente,
pelo menos exprimindo uma alegria incontrolável. Com imagens
manipuladas, estetizadoras, vai
se instilando, em doses sabiamente calculadas, a emoção adequada.
Quanto às celebridades, peladas ou vestidas, elas são o de menos. Fazem, com mais ou menos
propriedades, o que se lhes pede,
que é se exibir.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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