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Todas as mulheres de Hitchcock
Biografia examina relação de adoração e desprezo do cineasta inglês com estrelas de seus filmes, como Grace Kelly e Kim Novak
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
Alfred Hitchcock teve uma
única mulher na vida e, segundo colegas, uma única relação
sexual com ela em 53 anos de
casamento. Mas por suas mãos
passaram, e sofreram maus bocados, algumas das mais belas
atrizes do século 20.
Um livro que sai agora no
país vai além da repisada obsessão por louras do diretor inglês
(1899-1980) para examinar seu
amor e desprezo por estrelas
que, não raro, ele próprio alçou
a tal posição, como Grace Kelly
("Disque M para Matar", 1954)
e Janet Leigh ("Psicose", 1960).
"Fascinado pela Beleza: Alfred Hitchcock e Suas Atrizes"
(Larousse), do americano Donald Spoto, detalha o "sadismo" do homem que, por exemplo, manteve a atriz Madeleine
Carroll algemada até deixá-la
cheia de hematomas, nas filmagens de "Os 39 Degraus" (1935),
e submeteu Tippi Hedren a um
ataque de verdade em "Os Pássaros" (1963), após dizer a ela
que "evidentemente" usaria
aves mecânicas na cena.
Publicado no ano passado
nos EUA, o livro encerra tardiamente uma trilogia iniciada em
1976. Naquele ano, após "muitas horas" de conversa com o cineasta, Spoto lançou "The Art
of Alfred Hitchcock", comportada análise de filmografia que
mereceu elogios do biografado.
O "lado sombrio do gênio" ele
preferiu contar só após a morte
do cineasta, em "The Dark Side
of the Genius: The Life of Alfred Hitchcock" (1983). O que
havia de mais nocivo ainda teve
de esperar -ao menos até morrerem alguns entrevistados- e
é o primeiro a sair no Brasil.
Spoto, 67, curiosamente
também ex-monge e teólogo,
autor tanto de biografias de estrelas quanto de livros como
"Francisco de Assis: O Santo
Relutante" (Objetiva), conversou com quase todas as musas
(ou nem tanto) do diretor, além
de atores como James Stewart
e Gregory Peck e roteiristas.
Foi o próprio Hitchcock, porém, quem o atraiu ao assunto.
Em 1975, questionado sobre
como conseguia atuações tão
"magníficas", ele dera ao biógrafo uma resposta enviesada:
"Acho que tudo tem a ver com a
forma pela qual elas são fotografadas". Mérito dele, da câmera, do que fosse -não delas.
Ressentimento
O livro mostra desde um diretor "aterrorizado", nos anos
20, com a ideia de uma estrela
(Virginia Valli) descobrir que
seria "dirigida por um iniciante" até o veterano que, em 1964,
achou normal exigir de Hedren
que se tornasse "sexualmente
disponível", como ela conta.
"Não chego a odiar as mulheres, mas certamente elas não
são boas atrizes como os homens", disse ele certa vez. "Nada me dá mais prazer que massacrá-las até destituí-las de toda a elegância." O diretor "se
ressentia" dos salários delas, às
vezes maiores que o dele. Mas
não humilhava na mesma medida atores que ganhavam
mais. Era uma relação diferente, defende Spoto: eles eram o
que o cineasta não podia ser;
elas, o que nunca poderia ter.
Ainda assim, apaixonou-se
por Grace, Hedren e Ingrid
Bergman. Para outras, ofereceu
apenas frieza -Doris Day, magoada, quis se demitir; Anne
Baxter desconfiou de que "não
era bonita o bastante". Kim Novak, a segunda opção para "Um
Corpo que Cai" (1958), na opinião de Hitchcock só conseguia
atuar quando estava morena e
"não parecia tanto Kim Novak". Ao ouvir do biógrafo que
ela estava bem no filme, ele rebateu: "Talvez. Ao menos consegui jogar a novata na água".
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