São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

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Todas as mulheres de Hitchcock

Biografia examina relação de adoração e desprezo do cineasta inglês com estrelas de seus filmes, como Grace Kelly e Kim Novak

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Alfred Hitchcock teve uma única mulher na vida e, segundo colegas, uma única relação sexual com ela em 53 anos de casamento. Mas por suas mãos passaram, e sofreram maus bocados, algumas das mais belas atrizes do século 20.
Um livro que sai agora no país vai além da repisada obsessão por louras do diretor inglês (1899-1980) para examinar seu amor e desprezo por estrelas que, não raro, ele próprio alçou a tal posição, como Grace Kelly ("Disque M para Matar", 1954) e Janet Leigh ("Psicose", 1960).
"Fascinado pela Beleza: Alfred Hitchcock e Suas Atrizes" (Larousse), do americano Donald Spoto, detalha o "sadismo" do homem que, por exemplo, manteve a atriz Madeleine Carroll algemada até deixá-la cheia de hematomas, nas filmagens de "Os 39 Degraus" (1935), e submeteu Tippi Hedren a um ataque de verdade em "Os Pássaros" (1963), após dizer a ela que "evidentemente" usaria aves mecânicas na cena.
Publicado no ano passado nos EUA, o livro encerra tardiamente uma trilogia iniciada em 1976. Naquele ano, após "muitas horas" de conversa com o cineasta, Spoto lançou "The Art of Alfred Hitchcock", comportada análise de filmografia que mereceu elogios do biografado.
O "lado sombrio do gênio" ele preferiu contar só após a morte do cineasta, em "The Dark Side of the Genius: The Life of Alfred Hitchcock" (1983). O que havia de mais nocivo ainda teve de esperar -ao menos até morrerem alguns entrevistados- e é o primeiro a sair no Brasil.
Spoto, 67, curiosamente também ex-monge e teólogo, autor tanto de biografias de estrelas quanto de livros como "Francisco de Assis: O Santo Relutante" (Objetiva), conversou com quase todas as musas (ou nem tanto) do diretor, além de atores como James Stewart e Gregory Peck e roteiristas.
Foi o próprio Hitchcock, porém, quem o atraiu ao assunto. Em 1975, questionado sobre como conseguia atuações tão "magníficas", ele dera ao biógrafo uma resposta enviesada: "Acho que tudo tem a ver com a forma pela qual elas são fotografadas". Mérito dele, da câmera, do que fosse -não delas.

Ressentimento
O livro mostra desde um diretor "aterrorizado", nos anos 20, com a ideia de uma estrela (Virginia Valli) descobrir que seria "dirigida por um iniciante" até o veterano que, em 1964, achou normal exigir de Hedren que se tornasse "sexualmente disponível", como ela conta.
"Não chego a odiar as mulheres, mas certamente elas não são boas atrizes como os homens", disse ele certa vez. "Nada me dá mais prazer que massacrá-las até destituí-las de toda a elegância." O diretor "se ressentia" dos salários delas, às vezes maiores que o dele. Mas não humilhava na mesma medida atores que ganhavam mais. Era uma relação diferente, defende Spoto: eles eram o que o cineasta não podia ser; elas, o que nunca poderia ter.
Ainda assim, apaixonou-se por Grace, Hedren e Ingrid Bergman. Para outras, ofereceu apenas frieza -Doris Day, magoada, quis se demitir; Anne Baxter desconfiou de que "não era bonita o bastante". Kim Novak, a segunda opção para "Um Corpo que Cai" (1958), na opinião de Hitchcock só conseguia atuar quando estava morena e "não parecia tanto Kim Novak". Ao ouvir do biógrafo que ela estava bem no filme, ele rebateu: "Talvez. Ao menos consegui jogar a novata na água".


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