São Paulo, Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1999
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REVIVAL
Clássico urbano de 1979 de Arrigo Barnabé estréia hoje no Sesc Ipiranga, para gravação de versão ao vivo
"Clara Crocodilo" escapole e volta a SP

MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

"Clara Crocodilo fugiu/ Clara Crocodilo escapuliu." Os versos são para avisar que Arrigo Barnabé comemora 20 anos de carreira em show no Sesc Ipiranga, que será gravado para o lançamento do CD "Clara Crocodilo - Ao Vivo".
Barnabé apareceu em 1979, num festival universitário de música promovido pela TV Cultura. Foi um choque. A impressão que se tinha era de que alguém cantava, pela primeira vez, como os jovens de todas as partes do Brasil urbano sobreviviam "aos duros anos".
Na banda estavam Itamar Assumpção, no baixo, Vânia Bastos e Suzana Salles, nos vocais. Sua música "Diversões Eletrônicas" ganhou o festival; Tom Zé era o presidente do júri.
Algo nascia para preencher a despoluída bossa nova, o tropicalismo adormecido e o bucolismo mineiro, algo que deu no disco "Clara Crocodilo".
"Clara Crocodilo" não é somente um vinil empoeirado no fundo do armário. Era uma ópera que celebra a industrialização e a renovação brasileira. Uma ode à vida na metrópole, inspirada na narrativa de histórias em quadrinhos, linguagem urbana na essência.
Para entender o disco é preciso voltar ao Brasil de 1979. Arrigo Barnabé veio do meio universitário (Escola de Comunicações e Artes da USP). "As coisas", naquela época, aconteciam no meio universitário. Porque era um território livre, em que não entravam os tentáculos do regime autoritário.
E, inacreditavelmente, alguém falava de São Paulo. Estava lá o Riviera, bar da moçada paulistana: "Era um balcão de fórmica vermelha..." Estava lá o creme do vício dos vícios: "Diversões Eletrônicas". Estavam lá Will Eisner, monstros mutantes, terror pela cidade e o "Acapulco Drive-in".
Era a música dos garotos que nasceram sob os tanques e em frente à TV. Garotos que colecionaram figurinhas de "Perdidos no Espaço", que cresceram vendo as experiências sem nexo de "Terra dos Gigantes","Túnel do Tempo".
Barnabé uniu Brasil, rock pesado e música erudita, Orson Welles, Angeli e Godzila. Pagou um preço caro, porque o grande público queria o "baticum-lelê" de muitos quadris e pensar pouco.
Luiz Waack, na guitarra, Ana Amélia e Tuca Fernandes, nos vocais, Paulo Braga, no piano, e outros estarão no show com o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo. Tranquem as crianças em casa. "Clara Crocodilo" voltou.

Folha - "Clara Crocodilo" voltou?
Arrigo Barnabé -
Nesse disco, não existem só canções, mas muito material para se trabalhar.
Folha - Por que ressuscitá-lo?
Barnabé -
Porque tinha muita falação, no disco anterior, que me fazia sentir envergonhado. No mais, era uma gravação independente. O produtor era um amigo meu de Londrina. O estúdio era caro. Algumas frases musicais eu não gosto. Refiz tudo, uma outra versão, mais próxima do que penso hoje.
Folha - O que você tem feito?
Barnabé -
De 1992 para cá, mudei muito o jeito de escrever. Tenho me dedicado mais à música erudita. Trabalho com um quarteto de cordas e tenho escrito para sopros.
Folha - Você chegou a se formar?
Barnabé -
Não. Eu estava quase para me formar. Não sou um maestro, mas um compositor.
Folha - Incomodava o fato de não fazer sucesso popular?
Barnabé -
Tanto "Clara" como "Tubarões Voadores", que veio a seguir, eram discos complicados. Eu estava meio abalado, desiludido, por não conseguir ganhar dinheiro com música. Eu era super-solicitado para fazer trilhas, como a do filme "Cidade Oculta", mas não conseguia pagar o aluguel.
Folha - Foi por isso que você fez o disco "Suspeito"?
Barnabé -
Tinha a música "Uga-Uga", um negócio meio retardado, voltada para o mercado. Cheguei a tocar no "Chacrinha", "Bolinha". É um trabalho difícil fazer música de mercado. É para o resto da vida. Decidi abandonar esse projeto, e fiz a ópera "Gigante Negão", mais um disco independente.
Folha - Por que poucos falam de suas letras?
Barnabé -
Pouca gente valoriza as letras. Só ficam falando que o som é uma coisa muito louca, atonal. Mas as letras são crônicas de uma época, sem rimas ricas.
Folha - Orson Welles foi uma inspiração?
Barnabé -
Por eu usar um estilo de locução de rádio, parece.
Folha - Qual foi a vendagem de "Clara Crocodilo"?
Barnabé -
Não sei. Sei que foram prensadas 50 mil cópias. Era produção independente que foi comprada por uma grande gravadora.

Show: Clara Crocodilo - Ao Vivo
Onde: Sesc Ipiranga (rua Bom Pastor, 822; tel. 011/3340-2000)
Quando: hoje, amanhã, às 21h; domingo, às 20h; e dias 26, 27 e 28 de fevereiro
Quanto: R$ 10 e R$ 5 (comerciários e estudantes)




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