São Paulo, Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 1999
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CRÍTICA
"Cólera" é disciplinado


LEON CAKOFF
da Equipe de Articulistas

O cinema brasileiro em Berlim não repete este ano, com "Um Copo de Cólera", de Aloízio Abranches, o fenomenal sucesso de "Central do Brasil", unânime vencedor do festival do ano passado. E nem é tarefa fácil. "Cólera" faz parte dos filmes de temática forte, atrevida, de amores irregulares. Ou de amores dilacerados, como quer o estranho conflito na trapaça literária de Raduan Nassar.
Julia Lemmertz e Alexandre Borges fazem boa figura em cena. Mas o texto, praticamente declamado pela dupla de amantes, soa datado. O espectador não é preparado para o que o espera: um amor carnal e selvagem, um repique demolidor de tudo que segue ao furor sexual. As esperadas cenas fortes de sexo (quase explícito) não são de causar estranhamento no panorama desta seleção muito dirigida para a comunidade homossexual. Elas mais causam constrangimento. Se assim quis o novato Abranches, ponto para ele.
Senão, esperamos angustiados, na curta duração deste longa (72 minutos), por um realismo mais mágico que o prometido. Prometido nem tanto pelo que o filme desenrola, e sim pela mítica que envolve a efêmera obra de Nassar.
"Cólera" resulta mais num exercício de disciplina, uma respeitosa reverência a um escritor. Como cinema, à parte o notável esforço de fotografia e luz de Pedro Farkas, o furor incontido de dois personagens que se amam e se maltratam, peca mais por seus excessos verborrágicos do que carnais.
O conflito parece mais uma trapaça, um jogo que envolve o leitor/espectador como quem quer saídas de emergência para espaços abertos e arejados. Se também assim queria o desenrolar da sua adaptação, mais louvores para o disciplinado Abranches. Mas não é o que se passa. O sexo pode ser a síntese de todos os conflitos e provações. Talvez recursos para um filme mais longo completassem o que parece faltar na apresentação do casal que se ama e se odeia. Para não banalizar a essência do seu jogo, nada melhor do que um verniz literário. É como o filme parece querer se resolver.


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