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"Oscar e "Central do Brasil" são distantes"
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
O cineasta Walter Salles, 43 no
próximo mês, substituiu o piloto
Ayrton Senna no papel do herói
pátrio vitorioso na mitologia popular brasileira. Um Oscar, dos
dois possíveis (atriz, com Fernanda Montenegro, e filme estrangeiro), teria, no domingo, o sabor do
primeiro título mundial de Fórmula 1 de Senna.
Salles e Senna, poucos sabem, foram contemporâneos de juventude nas pistas brasileiras de kart.
"Mas jamais concorremos", lembra Salles com um sorriso.
O diretor de "Central do Brasil"
falou com exclusividade à Folha
no último domingo, horas antes de
embarcar para Los Angeles. Tão
atencioso quanto perfeccionista,
complementou algumas respostas
por fax ao desembarcar na capital
do cinema americano.
Salles comenta sua presença no
Oscar, reconhece-se mais à vontade na disputa amanhã do prêmio
de melhor filme estrangeiro no Independent Spirit Awards, elogia
Roberto Benigni, nega estar preparando um novo projeto a ser rodado na Itália e fala das lições de seus
filmes pré-"Central". Leia abaixo
trechos de sua entrevista.
Folha - A queda na auto-estima
brasileira com a crise da desvalorização do real multiplicou a expectativa em torno de "Central" no Oscar. Como você vê suas chances?
Walter Salles - Em primeiro lugar, é preciso manter uma certa serenidade em relação a este processo. "Central do Brasil" é um filme
feito na batida do coração, um filme simples e sem maquiagem, sem
truques, com o único desejo de ser
essencialmente brasileiro.
O filme foi feito em família, com
a participação de muitos não-atores, de muita gente que estreava
atrás da câmera. Jamais poderíamos antecipar tudo que acabou
acontecendo. Para mim, o maior
prêmio que "Central" poderia ter
tido ele já recebeu, que foi o diálogo com o público brasileiro. Cinema brasileiro deve ser feito antes
de mais nada para o Brasil, e a conquista dos mercados externos deve
ser apenas a consequência do propósito inicial de realizar um filme
olhando para dentro do país.
O Oscar também tem características próprias, que me parecem
conceitualmente distantes de
"Central do Brasil". "Central" não
é um filme "glamourizável", dada a
sua estrutura claramente documental. Nesse sentido, sinto-me
plenamente confortável com o fato
da Sony Classics ter optado por investir pouco no marketing do filme. É uma estratégia correta, que
respeita o que o filme é.
E, se o concorrente gasta US$ 10
milhões numa blitzkrieg publicitária para provar que o filme dele é
bom, esse é um problema dele. Da
nossa parte, prefiro que o nosso filme se sustente pelas suas próprias
qualidades ou defeitos. O sucesso
de público que "Central" alcançou
na Europa ou nos EUA foi em
grande parte feito pelo boca a boca. É bom que tenha sido assim.
Se a Academia resolver nos dar o
nosso 34º prêmio, reconhecendo o
talento extraordinário de Fernanda Montenegro, ou o filme, tanto
melhor para o cinema brasileiro e
para todos aqueles que viveram essa aventura. Se não, a vida continua, e tenho a sincera impressão
de que "Central" já cumpriu o seu
papel, nos levando muito mais longe do que poderíamos sonhar.
Folha - Você assistiu aos concorrentes diretos, incluindo seu grande rival, "A Vida É Bela"?
Salles - Vi "A Vida é Bela" em
cassete e prefiro não comentar um
filme sem ter a oportunidade de
vê-lo na tela grande. De qualquer
forma, gosto de Benigni e considero-o um grande comediante.
Folha - E os candidatos ao Independent Spirit Awards, ao qual você concorre amanhã?
Salles - Vi todos ("Hana-Bi",
"Festa de Família", "A Enguia" e
"O General") e tenho admiração
pelos membros dessa família. Considero justo qualquer resultado, tal
a qualidade dos filmes selecionados, se bem que em última instância eu torceria por "Hana-Bi" e
"Festa de Família", nesta ordem.
Folha - Quando será a estréia
brasileira do novo filme, "O Primeiro Dia", em que você retoma a parceria com Daniela Thomas?
Salles - Em princípio, no final de
99. Esse filme só existe graças a Daniela Thomas, que escreveu quase
todo o roteiro sozinha, preparou
sozinha os atores, enquanto eu filmava e
montava "Central".
Folha - É verdade
que seu próximo projeto será parcialmente rodado em Roma?
Salles - Se eu fosse
dirigir todos os filmes que estão dizendo que vou dirigir,
iria ficar tomado até
2010. Os dois próximos filmes deverão
ser com Arthur
Cohn, e o resto é, por
enquanto, especulação. É evidente que a
exposição de "Central" gerou ofertas,
aquele cerco previsível de agentes.
Folha - Um Oscar
poderia passar a falsa
impressão de que tudo vai bem com o cinema brasileiro. Uma
nova crise se instalou. Quais medidas de apoio governamental você defende?
Salles - Não acredito em cinematografias fortes e representativas
sem apoio do Estado. Defendo: 1.
Cobrança de um adicional de bilheteria que geraria um fundo de
produção para o cinema brasileiro.
Esse fundo seria administrado por
empresas que funcionariam como
a Riofilme e que incentivariam
tanto o cinema experimental tão
necessário quanto o cinema mais
popular. 2. Cobrança de taxa por
metro linear de filme. 3. Sou a favor do estabelecimento (e cumprimento) da lei que obriga cada cinema ma a reservar um certo número
de dias para os filmes brasileiros.
Folha - O que você aprendeu com
"A Grande Arte"?
Salles - A não realizar um filme
que se distanciasse da minha experiência de documentarista, que é o
meu território de predileção, tanto
na maneira de fazer quanto no
conteúdo. O documentário tinha
sido o caminho escolhido para alguém que, vindo de fora, tinha optado por olhar o Brasil. Não é por
acaso que os primeiros documentários que realizei são de artistas
que, como Frans Krajcberg e Tomie Ohtake, tornaram-se brasileiros por eleição e não por obrigação. A minha admiração por Hector Babenco tem raiz nesse mesmo
estado de coisas, aliás.
Folha - E com o curta "Socorro
Nobre" e o segundo longa, "Terra
Estrangeira"?
Salles - Aí estão os verdadeiros
pontos de inflexão, com a descoberta dos temas que me são realmente próximos: a questão da
identidade, não só a dos personagens, mas também a de uma identidade nacional, as formas diversas
de exílio e a importância do afeto.
Foi a descoberta também de um
processo que permitiu realizar ficção com o mesmo prazer que documentários. Foi feita a quatro
mãos, junto com a Daniela Thomas. Ela me ensinou o quanto o
ensaio é importante para dar vida
aos personagens e o quanto isso
nos dá liberdade para improvisar
na hora da filmagem. O final improvisado de "Terra Estrangeira" e
todas as improvisações que oxigenaram e transformaram "Central
do Brasil" são a consequência direta desse método.
Folha - Com quem você se corresponde hoje?
Salles - Com Socorro Nobre e todas as pessoas que têm escrito para
falar de "Central", com tanto afeto
e generosidade. Aliás, estou com
atraso nas respostas e peço perdão
publicamente por isso.
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