São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Curador descarta novidades

da Reportagem Local

O crítico de arte Nelson Aguilar é o curador-geral da Mostra do Redescobrimento e responsável direto pela seleção de obras e artistas dos módulos de arte moderna e arte contemporânea.
Curador de duas Bienais de São Paulo (1994 e 1996), Aguilar falou em entrevista à Folha sobre algumas características que nortearão seus dois módulos no evento e divulgou a lista completa de artistas selecionados por ele. (CF)

Folha - Você privilegiou artistas com individuais ou retrospectivas nos módulos de arte moderna e contemporânea?
Nelson Aguilar -
Existem artistas com um número de obras importantes, que são espécies de charneiras. O Volpi terá mais de 20 obras. Sérgio Camargo e Hélio Oiticica terão representações expressivas. Jorge Guinle também estará bem representado.

Folha - Hélio Oiticica e Lygia Clark têm sido motivo de muitas exposições, no Brasil e no exterior. O que você acrescentou à trajetória deles nessa mostra?
Aguilar -
Me inspirei um pouco naquilo que a Catherine David fez na última Documenta, só que ela foi um pouco mais macabra. Mostrou parangolés pendurados, máscaras expostas em mesas... Acho que também não tem sentido reconstruir "A Casa É o Corpo", de Lygia Clark. Agindo assim, corre-se o risco de transformar a obra desses artistas em uma pequena Disneylândia. Por isso mostraremos apenas obras que dão pistas dos possíveis caminhos que eles trilharam, obras que eles controlaram.
Ao mostrar uma obra de arte recriada hoje, corre-se o risco de criar um falso, algo que pertence muito pouco ao artista.

Folha - Por que você não encomendou obras inéditas?
Aguilar -
Em primeiro lugar, eu não queria competir com a Bienal. Já fui curador da Bienal duas vezes e sei bem que, quando a gente pode encomendar uma obra, conversar com o artista, ter um diálogo e ser uma espécie de motivador dessa obra, é muito de acordo com o tema do evento ou com a oportunidade de relacionar um artista com outros.
Nessa exposição estamos mostrando artistas com uma produção muito clara, mesmo os mais jovens. Mas é a reunião dessas obras que vai criar um panorama e dar um fôlego novo à exposição. O aspecto da novidade nunca foi uma preocupação forte.

Folha - Sua idéia inicial se transformou nos três anos em que você trabalhou na mostra?
Aguilar -
Parti do "Museu das Origens", do Mário Pedrosa, que já tinha uma idéia de fazer um panorama da arte brasileira. Mas, à medida em que o trabalho foi avançando, fomos corrigindo essa proposta, pois a idéia ficou datada. Vimos que essa idéia do Mário Pedrosa era tributária do "Museu Imaginário", de Malraux. O museu é um sonho de dominação, ainda está ligado a uma política de dominação do homem sobre a cultura.
É necessário um ponto de vista mais aberto para lidar com a idéia do Mário para o "Museu das Origens".
Também sempre havia algo de ideologia no Mário Pedrosa. Ele era um trotskista e, como tal, tinha uma relação profunda com Andrè Breton. Acredito que esse apreço que tinha pelas imagens do inconsciente venha do Breton. Ele tinha algo do século 19, essa necessidade de estar dentro de uma ideologia.
Se existe algo que o final do século 20 revelou foi a morte das ideologias. Nesse sentido, é uma exposição nova, pois não tem esse empenho ideológico que atravessa a crítica do Pedrosa.

Folha - Comente um pouco a cenografia dos módulos de arte moderna e contemporânea, que parecem ser os que menos interferem na exposição das obras.
Aguilar -
A arte do século 20 inventa a sua própria cenografia. Na instalação, o artista toma conta do espaço. Qualquer cenografia interferiria no destino das obras, criaria um efeito desvirtualizante, e o público se perderia.
A exposição começa arquitetônica, como uma galeria de retratos, como o corredor vasariano, em Florença, em que você vê quadros dos dois lados da parede. Mas chega um momento em que o objetos começam a voar.
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha, responsável pela cenografia, é muito atencioso para esse tipo de comportamento que acontece em silêncio.
Era fundamental ele criar um silêncio para que o público percebesse pela sensação o que constitui o devir da arte do século 20, como ela coloca em cheque suas próprias premissas e se transforma em algo ambiental e territorial.

Folha - O time selecionado não é pequeno?
Aguilar -
É bom que a mostra tenha poucos artistas. As outras instituições devem aproveitar isso para fazer o trabalho delas. Esse não é o ponto de vista absoluto da arte brasileira, mas apenas um dos pontos de vista possíveis.
Os museus que fizerem exposições simétricas a essa devem tentar corrigir, alargar e mostrar a eficácia de outras possibilidades. Essa mostra não é o capitalismo da arte brasileira no século 20, mas apenas uma visão.
Eu acho que essa exposição deve ser refeita várias vezes e não pode ser uma exposição que recebe um patrocínio apenas porque o Brasil faz 500 anos.
Se for sempre assim, teremos que esperar muito tempo para ver outra.


Texto Anterior: Redescobrimento se faz com R$ 40 milhões e 15 mil obras
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.