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CRÍTICA
Consciência e caos das coisas
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Para Agnès Varda, a liberdade é a realidade que a consciência se dá. A beleza de "Os Catadores e Eu" está na facilidade
com que ela transforma essa liberdade, potencial em qualquer
documentário, numa poética.
Partindo de uma idéia geral para confrontá-la, intuitivamente,
com a realidade -método que
sua geração, a da nouvelle vague,
herdou de Rossellini-, Varda
pôde criar, sem se apoiar em qualquer esquematismo nem perder o
rumo, uma poética que se equilibra sutilmente entre a sua consciência e o caos das coisas.
Ao mesmo tempo em que incorpora todas as coisas, lançando-se, mais ou menos ao acaso, de
um objeto a outro, de um lugar a
outro, de um personagem ao outro, Varda não deixa de se colocar
sempre inteiramente em jogo.
Não se trata apenas, para ela, de
incluir-se entre as diversas categorias de catadores (esses novos
heróis da sociedade contemporânea, do hiperconsumo e do desperdício) que tematiza em seu filme. Trata-se antes de surpreender, a todo momento, o fluxo da
vida, da sua e das dos outros.
Varda vai de um devir a outro,
percebe as próprias e envelhecidas mãos como se fossem as de
um animal, caminhões na estrada
como se fossem brinquedos, batatas como se fossem corações, filma os alimentos em seu devir lixo,
o lixo em seu devir alimento, em
seu devir arte.
A documentarista parece estar
sempre no caminho entre duas
categorias. Sempre à procura de
um "e" para acrescentar à imagem de seus personagens, torná-la menos classificável: o vinicultor
que também é psicanalista e filósofo, o catador que também é artista e o artista que também é catador, o chefe de cozinha que
também é catador, o catador que
também é compositor...
A série culmina no personagem
de um ex-biólogo que cata os restos das feiras parisienses para se
alimentar. Cercando e conquistando o personagem aos poucos,
Varda descobre que ele ganha a
vida vendendo revistas na porta
do metrô e dá aulas de alfabetização de graça para imigrantes. O
baralho de categorias de Varda
encontra assim o seu desfecho nas
inusitadas associações de palavras que surgem do diálogo entre
o professor-catador e os alunos-imigrantes.
Os Catadores e Eu
Les Glaneurs et La Glaneuse
Direção: Agnès Varda
Produção: França, 2000
Quando: hoje, às 22h, no Cinesesc (r.
Augusta, 2.075, São Paulo, tel. 0/xx/11/
3082-0213)
Quanto: entrada franca
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