|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros - Crítica/"Maria Bonomi: Da Gravura à Arte Pública"
Coletânea revê ampla trajetória de Bonomi, do traço à arquitetura
Volume revisita principais obras de Bonomi, que também fez teatro, TV e crítica
TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Minha entrada na arte
contemporânea se
fez em boa parte pelas grandes gravuras de Maria
Bonomi, cheias de cor. Perto
delas, Goeldi e Abramo (no entanto seu professor e que ela
apreciava: eu não sabia disso
então e não teria feito diferença
saber) me pareciam arcaicos,
ultrapassados. Coisas de radicalismo jovem (mais tarde eu
pude apreciá-los, claro). E meu
primeiro "texto crítico" foi escrito também com ela em mente, embora talvez não a citasse.
Eram os anos 60 e grassava
forte (ou feio) o embate entre a
arte "engajada" e a abstrata,
acusada de alienada. Eu defendia que o abstrato podia ser tão
ou mais atuante que o figurativismo "social".
Revisitar esse cenário neste
livro e ali ler a recusa delicada
de Rubem Braga à obra da artista, por motivos como esses, e a
defesa que dela fez Mário Pedrosa reafirma, em retrospecto, minha opinião e, mais que
isso, o caminho da artista.
Um largo caminho. O título
do livro poderia ser "Maria Bonomi ou a Vida Imensa". Ela
expandiu-se na vida como na
gravura. Fez teatro, TV, crítica
cultural, arquitetura (fazer murais e fachadas, por vezes, é fazer arquitetura). Sua história
está na história da cidade e do
país. Neta de Martinelli, com
quem viu uma vez o prédio emblemático (algo que não se esquece e que sempre retorna na
vida), Bonomi espalha suas
marcas pela cidade.
Abrir este livro é recordar o
que se vai esquecendo sob
montes de informação inútil.
Por exemplo, que ela desenhou
a já "clássica" fachada do Itautec na Paulista e o saguão do
Maksoud, além do "solo-cimento" do Memorial e do grande painel da Estação da Luz.
Gravura e arquitetura
Sempre se fala da gravurista
Bonomi quando, como ela prefere, é o caso de apresentá-la
como "Bonomi, a da arte pública", uma vez que o grande formato de suas gravuras têm a
mesma propriedade de envolvimento corporal que suas paredes e empenas.
As gravuras têm essa cor e dimensão que de longe se impõem, ao passo que suas intervenções arquitetônicas tendem
para os tons rebaixados, monocromáticos ou "sem cor". Mas
há entre as duas linguagens um
elo que faz de uma a continuação evidente da outra, no abraçamento público do observador. A mesma batalha com estratégias distintas.
Sobre a cor, aliás, é curioso
ler entrevista sua de 1959 em
que defende o preto-e-banco
porque "a cor pode interferir
no argumento" ao apelar a "elementos exteriores à gravura".
Cor na gravura "é como o barulho na música". Que ela tenha
mudado de ponto de vista e se
separado de suas crenças juvenis, as mais difíceis de esquecer
por infundadas que sejam, foi
uma sorte para a arte.
Ler e ver este livro é uma ocasião para lembrar, ainda, que
Bonomi é um dos artistas centrais na arte daqui e de fora. Isso não é para qualquer um. A
multiplicação de sua presença e
prêmios no exterior não a fez
porém esquecer-se daqui e do
que aqui estava em jogo, como
mostram sua adesão, sob a ditadura, ao boicote à Bienal de
1969 e suas brigas com a Bienal
nos anos 90 sob Collor e sua política de terra cultural arrasada.
É um livro grande, mas leve e
que termina com uma "crônica
artística", assinada pela organizadora e por Leon Kossovitch,
que é uma espécie de cronologia investigativa capaz de substituir com vantagem muito estudo teórico. Um livro que de
início parece fragmentado e informal demais para uma artista
desse porte mostra-se denso e
cativante -como a imensa vida
de Maria Bonomi. Poderia ter
sido um livro bilíngüe: lá fora
precisam saber mais de uma artista que é tanto daqui quanto
de lá. Precisam e gostariam.
TEIXEIRA COELHO é curador-chefe do Masp
(Museu de Arte de São Paulo).
MARIA BONOMI : DA GRAVURA
À ARTE PÚBLICA
Organização: Mayra Laudanna
Editora: Imprensa Oficial/Edusp
Quanto: R$ 140 (416 págs.)
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Artes plásticas: Exposição coletiva apresenta obras de grupos Ruptura e Frente Próximo Texto: Internet: Fundação lança site sobre Machado Índice
|