São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 2011

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Família não devia herdar obras, diz Ivo

Autor questiona veto de familiares ao uso de fotos do poeta Manuel Bandeira, que completaria 125 anos hoje

Escritor, 87, afirma ter proposto a Dilma Rousseff transformar obra de Bandeira em patrimônio público

MARCELO BORTOLOTI
DO RIO

O poeta, romancista e contista alagoano Lêdo Ivo, 87, membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), conviveu com grandes nomes da literatura, como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.
Recentemente, foi obrigado a retirar as fotos de Bandeira que entrariam em seu livro de memórias, "O Vento do Mar" (ed. Contracapa), a ser lançado em maio. Segundo ele, os herdeiros do poeta cobraram preços proibitivos para a publicação.
Nesta entrevista, Ivo fala da interferência das famílias na produção de livros e biografias no Brasil.

 


Folha - O senhor discorda da cobrança pelo uso das fotos?
Lêdo Ivo
- Estou fazendo um livro de recordações literárias, e não posso publicar nenhuma foto do Bandeira, que era meu amigo, porque teria de pagar aos herdeiros.
Se eu quiser publicar uma foto do Barack Obama, o homem mais poderoso do mundo, eu posso. Do Bandeira, eu tenho que pagar, porque os herdeiros acham que é extensão da sua obra. É um negócio que não tem nexo.

Elas não serão publicadas?
Vou publicar fotos de outros escritores, menos do Bandeira. Um advogado até me sugeriu publicar e enfrentar a família, mas tem muito juiz maluco por aí e há uma incerteza jurídica muito grande, o que pode acarretar em prejuízo para a editora.
Tenho fotos dele desde 1943, quando nos encontramos pela primeira vez, até uma foto de quando ele já estava senil, de bigode.

O senhor conviveu muito tempo com Bandeira?
Ele foi meu amigo durante 30 anos e o curioso é que nunca conheci nenhum parente dele. Fomos vizinhos em Teresópolis, e nunca apareceu ninguém.
Só depois da morte é que eles apareceram, inclusive mentindo. Eu vi numa entrevista um herdeiro dizendo que a mãe dele visitava Bandeira nos aniversários. É uma mentira deslavada, porque nos aniversários Manuel Bandeira se escondia para não receber as chamadas homenagens.
E em toda a sua obra ele fala da solidão, da falta de ligações com a vida familiar, da condição de solteiro. Só depois que ele morreu e ganhou uma glória póstuma considerável, essas pessoas surgiram e agora estão controlando sua obra.

Este direito não é legítimo?
Acho que só deveriam herdar os descendentes diretos. Se o escritor tivesse filhos, os filhos herdariam. Neste caso específico, até já sugeri que a presidente Dilma Rousseff faça com Manuel Bandeira o que o presidente Juscelino Kubitschek fez com a obra do Machado de Assis.
Na época, a obra dele estava entregue a uma editora que publicava os livros em edições mutiladas, cheias de erros. Juscelino desapropriou a obra e a tornou patrimônio público. Então começaram a sair edições corretas do Machado, os pesquisadores restauraram textos originais, fizeram biografias etc.
Machado também não deixou herdeiros diretos, os casos são bastante parecidos.

O senhor acha que a lei deveria mudar?
Acho que é preciso uma legislação moderna que discipline tudo isso. Por que eu devo pagar à família por fotos em que estou ao lado do Bandeira? Você recebe cartas, mas não é dono destas, elas pertencem à família. É uma legislação maluca.
Outro problema é o da biografia. Veja os casos de biografias proibidas do Roberto Carlos, do Guimarães Rosa.
Tem uma escritora chamada Ida Vicenzia que passou seis anos fazendo uma biografia da Cecília Meireles. Quando já estava pronta, os herdeiros vetaram a publicação. Eu presumo que seja porque, no tempo em que Cecília ficou viúva do Correia Dias, até se casar de novo, ela teve alguns amores, inclusive o Josué de Castro, aquele famoso médico de "Geografia da Fome".
Acho que a família não quer que estes fatos venham à público. Mas é um negócio de louco. Uma biografia autorizada não é uma biografia, pois atende às conveniências da família. E a verdadeira biografia, que poderia servir à compreensão do leitor, está proibida no Brasil.


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