|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"JOÃO CABRAL DE MELO NETO"
Poeta tem volume pela série Folha Explica
Estudo flagra tensões da lírica entre expressão e construção
SEBASTIÃO UCHOA LEITE
ESPECIAL PARA A FOLHA
É difícil encontrar uma
identificação perfeita, intelectualmente, entre crítico e autor
criticado. Isso, porém, quase
ocorre entre João Alexandre Barbosa e João Cabral de Melo Neto.
O quase vai por conta das inevitáveis diferenças entre indivíduos
da espécie. João Alexandre foi, assim, a escolha natural e certa para
a explicação de João Cabral. Ponto para a série Folha Explica.
Em sete capítulos, a síntese perfeita. Começa pelas "pressões sofridas por qualquer poeta nos
anos 40 no Brasil". Certo, pois
embora o mesmo se possa dizer
de qualquer época em qualquer
lugar, os anos 40 viram o notável
amadurecer de alguns gigantes
vindos do modernismo, entre os
quais, além do conterrâneo ilustre
Manuel Bandeira, dois mestres
inequívocos do então jovem Cabral, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes.
Assim, sua poesia começa com
duas fontes de pressão, a do lirismo de raridades da geração de 45
e a lírica de exotismo vinda de
uma interpretação falsa do modernismo histórico. Cabral respondeu às duas, buscando uma
uma nova articulação do poético.
No primeiro instante foi a "pesquisa onírica", no primeiro livro,
"Pedra do Sono" (1941) . No terceiro, "O Engenheiro" (1943), segundo Antonio Candido citado
por JAB, há uma superposição,
pois "o seu cubismo de construção é sobrevoado por um senso
surrealista da poesia", egresso do
primeiro livro. Mas a construção
que sobrevive em "O Engenheiro" é que se torna a dominante de
toda a sua obra. Ela também está
presente em "Os Três Mal-Amados" (1943), uma ponte que assinala decisivamente a presença de
Carlos Drummond de Andrade,
pois são variações em prosa a partir do célebre poema "Quadrilha".
A propósito desse texto, JAB fala das tensões entre uma poesia de
expressão e outra de construção
que sempre reaparecerá em
JCMN. Sobre "O Engenheiro" há
uma contraposição das imagens
oníricas vindas de "Pedra do Sono", ou seja, o repertório surrealista e a "desmontagem contínua
da cadeia de imagens".
Este princípio, o da contraposição, se reafirmará no chamado
"tríptico da negatividade", composto por "Psicologia da Composição", "Fábula de Anfion" e "Antiode", todos de 1947.
Também no "tríptico do rio"
com "O Cão sem Plumas", "O
Rio" e "Morte e Vida Severina" há
contraposições entre a visão lírica
do real e a "prosa de grosso tear"
(cf. JCMN). Mas, numa nova etapa, em "Paisagens com Figuras",
à contraposição se substitui a convergência entre os pólos de Pernambuco e Espanha, "duas experiências fundamentais do poeta".
O "domínio da linguagem", segundo JAB, é o que caracteriza
um novo tríptico: "Quaderna",
"Dois Parlamentos" e "Serial".
Neles, segundo JAB, "a maior
contundência está não apenas no
que é dito, mas nas próprias articulações sintáticas, criando passagens entre o dentro e o fora", observação sobre "Mulher e Casa"
(de "Quaderna") que, diga-se de
passagem, serve para todo o livro
e a obra toda do poeta.
Ao chegar à obra "A Educação
pela Pedra", nuclear do poeta,
JAB conclui que "a indagação
contínua acerca da realidade,
através de uma espécie de nominalismo radical" é elemento essencial para defini-la (a obra).
A realidade, no entanto, segundo JAB, não é ensinável, porque
ela "é a sua própria presença interiorizada". Ou seja: o sertão não
aprende com a pedra. Ele é pedra.
A educação que é primeiro pela
pedra se metamorfoseia em "A
Escola das Facas", torna-se educação pela história em "Auto do
Frade" e em educação pela morte
em "Agrestes".
Aqui fiquemos. Que o leitor
descubra o resto, onde se conclui,
que, ao contrário de ensinar, esta
poesia foi "sempre um árduo e arriscado aprender". No livro de
João Alexandre, breve e brilhante,
há muito pouco de discutível.
Sebastião Uchoa Leite é poeta, tradutor e ensaísta, autor de "A Espreita", entre outros
João Cabral de Melo Neto
Autor: João Alexandre Barbosa
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (112 págs.)
Texto Anterior: Mondo Cannes Próximo Texto: "O Iceberg Imaginário e Outros Poemas": Poesia de Elizabeth Bishop ganha tradução à sua altura Índice
|