São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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Shere Hite discute prazer e poder no trabalho

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na primeira vez que a escritora norte-americana Shere Hite, 57, esteve no Brasil, em 1977, ficou "aterrorizada": o governo militar mandou a polícia invadir a sessão de autógrafos, no Rio, e recolher todos os exemplares do livro que ela estava lançando, o "Relatório Hite", que apresentava sua célebre pesquisa sobre a sexualidade feminina.
Na última terça-feira, praticamente ao mesmo tempo em que Hite desembarcava em São Paulo, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionava a lei que transforma o assédio sexual em crime. Para quem veio lançar, hoje às 16h, na Bienal do Rio, "Sexo e Negócios", obra que trata das relações pessoais no trabalho -inclusive o assédio-, foi um sinal de que os ventos sopram bem mais a favor por aqui agora.
"Fiquei surpresa que isso tenha acontecido tão rápido", disse Shere Hite. "Acho que o Brasil está muito mais moderno." A escritora afirmou não saber se leis desse tipo funcionam, mas apóia a iniciativa. "É melhor ter uma lei do que não ter", resume.
No livro, Hite analisa o assédio como algo que envolve mais poder do que sexo. "É uma pessoa com poder que quer humilhar outra. Quando se tenta beijar alguém e ela não quer, você sente isso e não continua. Não diz: "Sei que você quer", fazendo sentir-se grande e o outro pequeno."
É, também, uma prática exclusiva do sexo masculino, ao contrário do que mostrou Demi Moore atacando Michael Douglas em "Assédio Sexual". "Isso só acontece no cinema. É como o estupro. Alguns dizem que o homem também é estuprado, mas estatisticamente não é verdade." Hite tem uma explicação polêmica para isso: "O homem pensa que sexo é poder e, para a mulher, sexo é prazer".
Quando "Sexo e Negócios" foi lançado na Europa, no ano passado, chegou-se a dizer no Brasil que Hite pregava o namoro entre colegas de trabalho, mas ela diz ter sido mal interpretada. "Do que o livro realmente trata é de por que as mulheres só ganham 60% do que recebem homens na mesma posição", afirma.
"Agora, um dos problemas que essas mulheres encontram é: o que fazer se alguém no trabalho tenta fazer sexo com você ou você se sente atraída por alguém? Hoje muitas mulheres que trabalham são solteiras, e muitos dos homens também. Então não há razão para que essas pessoas não possam ficar juntas."
Um tema curioso do livro diz respeito a uma velha maledicência: mulheres não gostam de trabalhar subordinadas a mulheres. O pior de tudo é que Hite descobriu que isso é verdade. Em um dos capítulos, intitulado "Como as Mulheres Estão Trabalhando com Outras Mulheres?", a escritora expõe queixas de chefes falando de secretárias e vice-versa.
Uma secretária reclama que a chefe "é um vampiro infernal" que "tem inveja" dela por ser mais jovem, e uma chefe se queixa de ser tratada como "amiguinha" quando é mais compreensiva, tendo que ouvir desculpas do tipo "estou menstruada" ou "briguei com o namorado" diante de eventuais falhas.
"Muitas mulheres dizem que trabalhar para mulheres não as fazem felizes", confirma Hite. "As primeiras mulheres que conseguiram poder no trabalho se masculinizaram para não serem criticadas e passaram a ser criticadas por serem muito duronas. Mas isso está mudando. Algumas mulheres executivas que conheço são realmente legais."
E quanto aos homens? Surpresa: "Não ouvi nenhuma reclamação", ri a escritora. "É realmente divertido, porque o clichê diz que homens odeiam trabalhar para mulheres, e não é assim."


SEXO E NEGÓCIOS. De: Shere Hite. Tradução: Cyana Leahy. Editora: Bertrand Brasil (tel. 0/xx/21/263-2082). 260 págs. R$ 35.



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