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ARTES PLÁSTICAS
Londres mais parece uma paródia da arte moderna
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quatro décadas depois do
evento Monty Python, Londres está fazendo jus aos heróis da
comédia que debochavam de Sartre, Genet e dos filósofos gregos,
colocando todos juntos num jogo
de futebol ou competindo por
uma caixa de fósforos.
Essa cidade, que nunca foi um
paraíso das artes plásticas, está
tentando roubar o público consumidor das "fine arts" da Europa
continental. Como? Construindo
na prática tudo aquilo que pregou
na teoria através dos anos. Cínicos como só eles conseguem ser,
os ingleses tentam ganhar a batalha no campo das galerias. Entre
mortos e feridos, contabilizam-se
alguns existencialistas e semiólogos franceses. Soa estranho?
O exemplo mais nítido e escrachado é a galeria de Charles Saatchi, inaugurada há pouco. Basta
dizer que ela fica localizada num
prédio (o GLC) que, para quem
conhece a Londres antiga, já em si
traduz a total decadência do sistema perfeccionista britânico. Explico: o Greater London Council
era o braço administrativo da Prefeitura de Londres, localizado em
frente ao Big Ben, e é hoje um verdadeiro circo, onde se encontra
de tudo: um aquário com golfinhos, um fast food chinês, lojas de
algodão doce, um hotel Marriott e
aquela roda-gigante do milênio.
Não é à toa que o curador é um
publicitário. Saatchi escolheu
aquela locação para sua galeria a
dedo. Nas estátuas de ferro derretido de Salvador Dali que povoam
o calçadão em frente ao prédio
por onde o povo anda, podem-se
ver as latas de cerveja deixadas pelos bêbados que por lá pernoitam.
Saatchi até gosta dessa sujeira.
Aliás, acho que esse é o propósito
do humor montypythiano.
O Southbank, onde a galeria fica
localizada, é tradicionalmente
cheio de monumentos artísticos:
o National Theater, o Royal Festival Hall, o Globe Theater e a Tate
Modern.
Vale dizer que a Saatchi não
existiria (assim como sua estrela
suprema, Damien Hirst, talvez
não existisse) se não fosse a segunda versão da "Sensation" -a
de Nova York- ter causado tanta
polêmica por ter sido quase fechada pelo ex-prefeito Giuliani.
Cá entre nós -que ninguém
nos ouça-, a Inglaterra nunca foi
grande coisa em termos de artes
plásticas. Fora o genial Francis
Bacon e os menos geniais David
Hockney e Lucien Freud (e num
passado remoto Henery Moore e
Barbara Hepworth e vamos esquecer logo Turner e Dadd e Blake, pelo amor de Deus!), a vanguarda mesmo não teve nada de
grave aqui. Uma exceção foi Guy
Bret, único responsável pela ida
de Hélio Oiticica a Londres nos
anos 60, à Whitechappel Gallery.
Ou seja, a antiga e modesta Tate
Gallery sempre deu conta do recado. Nunca tivemos aqui um museu de arte moderna. A National
Gallery, ali em Trafalgar Square, é
medonha de acadêmica.
Eis que de repente surge uma
Tate Modern que, além de pertencer ao grupo Tate & Lyle, ainda
pega uma subvenção do Instituto
Goethe e monta uma péssima retrospectiva de um fracote Max
Beckman (não mais do que um
cartunista, longe de ser um Otto
Dix), cobra oito libras pelo ingresso e lota de turistas alemães.
A reforma do British Museum
não passa de uma imitação do
Musée d'Orsay, de Paris. É de
chorar. É assim: Londres está levando a sério aquele livro do John
Berger que zombava do desconstrutivismo (e tudo que vinha da
França) e que tinha na capa uma
reprodução do quadro de Magritte "isso não é um cachimbo".
Saatchi e os outros "entrepeneurs" por trás dos "jogos" que
estão trazendo a arte para Londres parecem querer passar a
mensagem de que, a la Magritte, a
nova arte inglesa "não é arte".
A propósito, no filme "Frenesi"
(72), de Hitchcock, numa das cenas iniciais, um corpo nu de uma
mulher aparece boiando no Tâmisa bem em frente ao prédio do
GLC, onde hoje fica a Saatchi.
Lá dentro é mais ou menos a
mesma coisa, cheio de corpos
nus, só que sem a genialidade e
originalidade do velho cineasta.
Que pena. O corpo nu de Hitchcock nos trazia calafrios. Os corpos nus da Saatchi são como os algodões doces vendidos ao lado
das estátuas derretidas e encervejadas de Dali.
Gerald Thomas é dramaturgo
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