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Diretor interpõe ciúme e mercantilismo
DA REPORTAGEM LOCAL
O ciúme, "célula mínima da
propriedade sobre o outro", e a
floração mercantilista do século
16, que contribui para a consolidação da propriedade no capitalismo, fazem parte das leituras do diretor Marco Antonio Rodrigues, 47, para a concepção da
montagem da tragédia "Otelo"
com o seu grupo, o Folias d'Arte.
"A posição pública de Otelo o
obriga a tomar uma atitude diante
da traição tramada por Iago, provoca uma mistura do público e do
privado que encontramos muito
na peça, no Shakespeare inteiro e
até nos programas tipo "Big Brother", que são evasivos no que revelam e bastante moralistas na manutenção do politicamente
correto", afirma.
Para o diretor, Desdêmona e
Otelo também expõem as contradições de classe. Ela é filha de Brabâncio, um poderoso senador de Veneza, e se apaixona pelo espírito aventureiro do general mouro.
"A partir da sua cultura erudita, Desdêmona acha que pode civilizar o bárbaro. Morre com essa ingenuidade, com essa arrogância
até, acreditando que vai educar Otelo", diz Rodrigues.
Ele afirma que Shakespeare historiciza a questão do amor na tragédia, mas não incorre em abstrações ao aproximá-la do melodrama, por exemplo, prato cheio para um caso de ciúme. "Há essa
matriz do melodrama. Um cara
que acredita num lenço, pedaço
de pano que vira quase um fetiche
porque o Iago sabe articular isso,
cria uma magia própria para o
lenço, uma vida autônoma, como
um bem de consumo desejado."
O espetáculo começou a ser esboçado há um ano, quando o diretor, o dramaturgista Reinaldo Maia e a tradutora Maria Silvia
Betti se reuniram para cotejar algumas traduções.
Ulisses Cohn assina a cenografia que ambienta o Galpão do Folias d'Arte como um espaço cênico das ruas de Veneza e do porto
da Ilha de Chipre. Disposta em semi-arena, a platéia acompanha
vários pontos de vista do espetáculo. Dagoberto Feliz fez a direção
musical e Atílio Beline Vaz cuidou
dos figurinos. Intérprete de Iago,
Francisco Brêtas, 42, procura escapar do estigma de vilão do personagem. "Iago e Otelo são duas facetas de uma mesma personalidade. O que falta no Iago sobre
em Otelo, e vice-versa. Busquei
essa humanidade dele", diz.
Para Renata Zhaneta, 43, Desdêmona padece de uma paixão
estrema. "O amor dos dois não é
dessa terra. Mas não passa pela
cabeça dela que ele possa matá-la", afirma a atriz.
Foram sete meses de ensaios
com o elenco de 13 atores, a maioria do núcleo do Folias d'Arte
("Babilônia", "Cantos Peregrinos" etc.). O grupo se consolidou
em 1995, a partir de "Verás Que
Tudo É Mentira", mas alguns
criadores já se cruzavam em projetos desde 1991, com o infantil
"Enq, o Gnomo". O Folias realiza
"Otelo" por conta do Programa
Municipal de Fomento ao Teatro
para a Cidade de São Paulo.
(VS)
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