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São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003

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Diretor interpõe ciúme e mercantilismo

DA REPORTAGEM LOCAL

O ciúme, "célula mínima da propriedade sobre o outro", e a floração mercantilista do século 16, que contribui para a consolidação da propriedade no capitalismo, fazem parte das leituras do diretor Marco Antonio Rodrigues, 47, para a concepção da montagem da tragédia "Otelo" com o seu grupo, o Folias d'Arte.
"A posição pública de Otelo o obriga a tomar uma atitude diante da traição tramada por Iago, provoca uma mistura do público e do privado que encontramos muito na peça, no Shakespeare inteiro e até nos programas tipo "Big Brother", que são evasivos no que revelam e bastante moralistas na manutenção do politicamente correto", afirma.
Para o diretor, Desdêmona e Otelo também expõem as contradições de classe. Ela é filha de Brabâncio, um poderoso senador de Veneza, e se apaixona pelo espírito aventureiro do general mouro.
"A partir da sua cultura erudita, Desdêmona acha que pode civilizar o bárbaro. Morre com essa ingenuidade, com essa arrogância até, acreditando que vai educar Otelo", diz Rodrigues.
Ele afirma que Shakespeare historiciza a questão do amor na tragédia, mas não incorre em abstrações ao aproximá-la do melodrama, por exemplo, prato cheio para um caso de ciúme. "Há essa matriz do melodrama. Um cara que acredita num lenço, pedaço de pano que vira quase um fetiche porque o Iago sabe articular isso, cria uma magia própria para o lenço, uma vida autônoma, como um bem de consumo desejado."
O espetáculo começou a ser esboçado há um ano, quando o diretor, o dramaturgista Reinaldo Maia e a tradutora Maria Silvia Betti se reuniram para cotejar algumas traduções.
Ulisses Cohn assina a cenografia que ambienta o Galpão do Folias d'Arte como um espaço cênico das ruas de Veneza e do porto da Ilha de Chipre. Disposta em semi-arena, a platéia acompanha vários pontos de vista do espetáculo. Dagoberto Feliz fez a direção musical e Atílio Beline Vaz cuidou dos figurinos. Intérprete de Iago, Francisco Brêtas, 42, procura escapar do estigma de vilão do personagem. "Iago e Otelo são duas facetas de uma mesma personalidade. O que falta no Iago sobre em Otelo, e vice-versa. Busquei essa humanidade dele", diz.
Para Renata Zhaneta, 43, Desdêmona padece de uma paixão estrema. "O amor dos dois não é dessa terra. Mas não passa pela cabeça dela que ele possa matá-la", afirma a atriz.
Foram sete meses de ensaios com o elenco de 13 atores, a maioria do núcleo do Folias d'Arte ("Babilônia", "Cantos Peregrinos" etc.). O grupo se consolidou em 1995, a partir de "Verás Que Tudo É Mentira", mas alguns criadores já se cruzavam em projetos desde 1991, com o infantil "Enq, o Gnomo". O Folias realiza "Otelo" por conta do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. (VS)


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