São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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TELEVISÃO

Criada pela Câmara dos Deputados, ranking da baixaria na TV recebe críticas enquanto conquista pequenas vitórias

Redes revidam ataque de campanha

MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Quem financia a baixaria é contra a cidadania. Dois anos depois de criado, o slogan da campanha liderada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados é colocado em xeque pelos principais representantes da TV brasileira, programas que dão mais audiência e faturamento às emissoras.
É o caso de João Kléber, o apresentador-símbolo dessa geração que explora a sexualidade na tela. Seus programas, "Tarde Quente" e "Eu Vi na TV", dividem o primeiro lugar no ranking da baixaria, divulgado no início da semana passada.
"Há alguns anos procurei a organização da campanha para me informar sobre os critérios do ranking, mas percebi que se pretende interferir na liberdade de criação e de expressão artística, como que querendo impor ao telespectador o que ele deve ou não assistir. Ao que parece, a grande inovação tecnológica chamada controle remoto não chegou ao conhecimento de alguns", diz Kléber à Folha.
A Globo, apontada no ranking com três programas -as novelas "Senhora do Destino", "América" e "A Lua me Disse"- tenta desqualificar o levantamento. Por meio da Central Globo de Comunicação, divulgou que "o universo das pessoas que se manifestam é tão inexpressivo que chega a ser consagrador para a Globo em termos de qualidade". No mesmo comunicado, alega que "por ser a mais vista, é natural que seja uma das mais citadas". "Já recomendamos à comissão que busque mecanismos para obter resultados mais legítimos e representativos."
Para Ricardo de Barros, 34, diretor do "Pânico na TV!" (4º lugar no ranking), há preocupação com o humor ácido, mesmo não acreditando que a campanha possa servir como referência. "Nós modificamos o programa desde que ele começou. É difícil fazer humor sendo politicamente correto. Quando a pessoa assiste a um programa é porque gosta do jeito que são feitas as brincadeiras", afirma. Segundo ele, o fim do quadro "A Hora da Morte", uma cópia de "Jackass", é exemplo de evolução no programa.

Resultados
O objetivo da campanha é promover reflexão. Desde que foi criada, em novembro de 2002, levou ao Ministério Público representações contra os programas e apresentadores mais citados. Até o início deste mês, a campanha recebeu 17.415 denúncias, a maioria criticando a violência, o apelo sexual e avaliando que o horário dos programas seria impróprio.
Preocupada com a ética na TV, uma série de entidades se filiou à campanha e levou aos anunciantes a proposta de boicote à baixaria. Mas nem sempre a proposta é bem acolhida. O Santander/Banespa, que patrocina "América", discorda do ranking. "A empresa não patrocina programas de baixaria e não reconhece a novela como baixaria", diz a assessoria de imprensa do banco.
A campanha comemora resultados. A Casas Bahia, uma das empresas brasileiras que mais investem na TV, aderiu à campanha, comprometendo-se a não "financiar" a baixaria a partir deste ano, a partir do término dos contratos. O apresentador Carlos Massa, o Ratinho, viu seu programa ser atacado por críticas. Hoje, adota tom mais leve, em que satiriza o país, conversa com o público sobre os acontecimentos do dia e distribui prêmios.
Influenciada ou não, outra que aderiu à campanha contra a baixaria foi a Record, que tirou do ar, no início do mês, a edição nacional do "Cidade Alerta".
Segundo o deputado federal Orlando Fantazzini, 46, já não se vêem mais tão explicitamente na TV aberta cenas de exposição do corpo humano nos programas de domingo à tarde. Ele é um dos pilares da campanha, que, em 2004, lançou um dia contra a baixaria, quando estimulou os telespectadores a desligar o aparelho no dia 17/10, um domingo, obtendo 14% menos audiência que o normal.
"Se o ranking é tão insignificante, por que eles mudam tanto os programas?", questiona, avisando que, neste ano, no segundo domingo de outubro, vai incentivar os telespectadores a um novo protesto. A idéia é transformar a campanha da Câmara dos Deputados numa ONG cuja intenção é discutir com a sociedade projetos de lei que possam regulamentar uma espécie de código de ética para as TVs. "Há um debate na sociedade sobre o conteúdo da TV. Aos poucos, conseguimos alterar muita coisa. É um processo cultural que não muda num estalar de dedos", diz o deputado.


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