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"INOCÊNCIA"/"ELE, O BOTO"
Lima Jr. vira cúmplice da natureza
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Inocência" e "Ele, o Boto"
compõem um conjunto de
filmes dedicados à natureza de
Walter Lima Jr., que talvez se feche com "A Ostra e o Vento" (97).
Convém distingui-los desde logo, porém, dos filmes de exploração da natureza, que existem às
pilhas. A natureza, aqui, é antes de
tudo uma escuta, como bem relata Carlos Alberto de Mattos em
seu imperdível "Walter Lima Jr.
-°Viver Cinema". Durante a filmagem, Lima Jr. pedia silêncio:
quando não é ouvida, a natureza
se contrai e se esconde -explicava o diretor, bem à maneira de seu
mestre Humberto Mauro.
Parece um pouco maníaco, mas
quem vê o filme percebe desde o
início que a natureza é uma cúmplice das filmagens que ele concebeu em conjunto com seu fotógrafo, Pedro Farkas. Farkas, aliás,
será dali em diante parceiro obrigatório do diretor e também assina a fotografia de "Ele, o Boto".
Em "Inocência" existe ainda a
sombra do "grande tema", da
adaptação literária de prestígio (o
romance original é do visconde
de Taunay). "Ele, o Boto" sustenta-se basicamente de uma série de
lendas a respeito do peixe que sai
das águas para habitar o sonho
das mulheres (no livro, Mattos sugere que esse mito teria origem
indígena, dizendo respeito ao homem loiro que chegava pela água
para seduzir suas mulheres).
Nos dois filmes, o imaginário e a
sensualidade são convocados em
último grau. Em "Inocência", o
amor entre a garota e o médico
que lhe salva sofre de um interdito
claro: Inocência está prometida.
Há um interdito menos evidente:
a natureza incestuosa do pai da
garota, que parece pesar mais do
que a palavra empenhada.
Na trajetória de "Inocência", a
natureza é cúmplice da natureza
humana, e daí vem o caráter poético do filme: a primeira é o que é
-nem boa nem má-; a segunda
é frágil, imperfeita. É a essa fragilidade que o filme parece cantar.
"Ele, o Boto" se alimenta do improviso, e talvez seja este o seu
ponto forte. Exemplo (do livro
ainda): a dança do "Arara", uma
das melhores partes do filme, só
está lá porque a coreografia original não deu certo. O filme tem
muito dessa vagabundagem que
alimenta a mitologia do boto.
Desta vez não existe o "grande
tema", mas estamos no que Lima
Jr. qualifica como um cinema que
não pretende mudar nada, que se
contenta em ser, em levar a beleza
ao público. Uma beleza que marca os anos 80 brasileiros com um
filme mais classicizante (porém
moderno), como "Inocência", e
outro de estrutura mais livre
(nem por isso desprovido de rigor
clássico), como "Ele, o Boto".
Ele, o Boto/Inocência
Direção: Walter Lima Jr.
Distribuidora: Paramount; R$ 30, em
média (cada DVD)
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