São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Peça de Ulysses Cruz traz triângulo amoroso preciso

"Olhe para Trás com Raiva" reflete frustrante impotência diante do caos

CHRISTIANE RIERA
CRÍTICA DA FOLHA

O retrato do inteligente e rebelde Jimmy Porter em "Olhe para Trás com Raiva" tornou-o talvez o personagem mais popular dos anos 50 na cena teatral britânica.
Escrita por John Osborne, foi um marco para uma geração de "jovens raivosos" que se utilizaram de um realismo mais cruel para combater o escapismo político.
A trama dispara num domingo tedioso, quando Jimmy metralha seu inconformismo com a apatia dominante mirando impiedosamente em sua mulher.
Debruçada sobre uma tábua de passar roupas, enquanto ouve seus surtos filosóficos, Alison esconde sua gravidez, a ser interpretada como fruto de um sonho burguês junto à consciência da vulnerabilidade do marido.
A tensão entre os dois cresce enquanto é testemunhada por Cliff, cujo "coração de ouro" permite a sustentação do que se transforma num verdadeiro campo de batalha. A rotina se quebra com a entrada da melhor amiga de Alison, que põe em xeque o balanço entre o casal.
A construção do triângulo amoroso é precisa. Sérgio Abreu faz um Jimmy febril que incendeia ao contracenar com Karen Coelho, que interpreta com primorosa contenção a gentil mulher, e Maria Manoella, a amiga amante, que adensa a altivez da personagem com sua voz aveludada.
Como dirigido por Ulysses Cruz, o universo caduco e sujo do texto original ganha leitura mais simbólica através de um cenário que mistura objetos cênicos realistas com pano de fundo expressionista ao enquadrar todo o palco por paredes e teto em ruínas.
Com isso, apesar de a imagem de uma fábrica encobrir a cena, em passagens remetendo à classe operária como força centrípeta do drama, é a sensação de colapso, da frustrante impotência diante do caos que está em foco.
Vale lembrar que o carisma do protagonista Jimmy, porém, se sustenta em seu ímpeto anarquista, na rejeição de convenções em seu discurso carregado de humor cínico, em seu instinto esquerdista tanto apaixonado quanto apaixonante.
É somente pelo viés político que se entende a atração que ele exerce sobre duas mulheres situadas socialmente acima. Trata-se de um embate entre o operário e a elite, que termina ajoelhando-se a seus pés.
Sem esta reverberação ideológica, a motivação de Jimmy ecoa no vazio. A montagem se fortaleceria se ouvisse a advertência de um dos personagens: "Não dá para mergulhar nele e sair de mãos limpas".


OLHE PARA TRÁS COM RAIVA

QUANDO sex., às 21h30; sáb., às 21h; e dom., às 19h; até 22/8
ONDE teatro Vivo (av. Dr. Chucri Zaidan, 860, tel. 0/xx/11/2626-0867)
QUANTO R$ 40 a R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom



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