São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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OPINIÃO MASSAO OHNO

Editor apostava na poesia como estratégia de sedição

Morto no sábado, Ohno publicou nomes como Hilda Hilst e Roberto Piva


TINHA O LIVRO NA EXATA CONTA DE UM PRODUTO NECESSARIAMENTE EXUBERANTE E AGRADÁVEL AOS OLHOS


MIGUEL DE ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Minha caixa de e-mails, no domingo à noite, 13, guardava mais de uma centena de mensagens de amigos entristecidos com a morte do editor Massao Ohno, na madrugada anterior. Formara-se uma improvável corrente de escritores, poetas, músicos, artistas plásticos, de várias cidades.
Todos se alternavam em anotações, relembranças e até desabafos (ah, os desabafos) a respeito da trajetória do último grande editor dos tempos românticos da produção editorial brasileira.
Blogs diversos seguiam a mesma toada: desaparecera um gigante; a melhor poesia perdera um dos seus.
O universo digital, esse eco sideral de melancolia e solidão, ressoava mais profundamente a perda ao colocar em rede essa brava geração que tem na poesia seu principal liame e espelho.
Vida e arte, sempre.

AFINADO FARO
Morto aos 74 anos, essa gentil figura tinha sua memória saudada em um coro uníssono de surdo agradecimento por seus trabalhos prestados com discrição, elegância e afinado faro.
Massao Ohno colocou em circulação livros com design elaborado, em capas cuidadosamente desenhadas, muitas vezes ostentando de quebra trabalhos de novos artistas (veja só: Wesley Duke Lee, Tomoshigue Kusuno ou Rodrigo de Haro, quando jovens).
Num balaio só, a sua cara: poesia e artes plásticas. Pura sofisticação.
E o fez numa época em que a acuidade gráfica não integrava o elenco de preocupações do mercado editorial. Tinha o livro na exata conta de um produto necessariamente exuberante e agradável aos olhos (nada de tipos minúsculos, sem margem). Além de seu apelo tátil.
O que é um bom editor? Aquele que afina o olhar e colhe em calejadas águas da soberba literária um promissor autor. No caso dele, poetas (anote: uma raça pouco humilde).
Servia-os ao público, quase sempre sem ganhar dinheiro (pelo contrário) e, mesmo assim, voltava a lançar, mais à frente, outro título dessa sua aposta.
Entre muitos, fico apenas em dois nomes macros: Hilda Hilst e Roberto Piva. Sendo ambos autores capazes de desmentir quem afirmar que, desde Clarice Lispector, a literatura brasileira não produziu nada de seminal.
Seu compromisso era com a busca de nomes que pudessem iluminar os corações daqueles poucos leitores que gostam de poesia no Brasil. Justamente o público mais exigente.

UM ÚNICO LEITOR
O livro é um objeto revolucionário e sagrado. De alto teor explosivo (é por isso que os ditadores gostam de queimá-los ou censurá-los). São desnecessários milhares de leitores para que um bom título inspire uma revolta, um assalto ao poder usurpador ou algum outro gesto heroico -um único leitor, basta apenas um único bom leitor para que seja movida a história.
Ou ajudar a forjar uma nova sensibilidade. Que dará em dois ou mais outros perigosos leitores, ou autores, que continuarão seu tortuoso movimento de sedição, em moto perpétuo.
De seus pequenos estúdios (fosse no Bexiga ou nos Jardins), sempre bagunçados, o encontro de pessoas queridas, Massao Ohno, editando livros de poesia como quem incensa a rebeldia, colaborou para deixar o Brasil um país perigosamente mais sensível.
E infinitamente melhor. Seus amigos e os leitores de suas muitas revelações sabem que tal ato o tornou gigante, do tamanho de qualquer um dos belos versos trazidos à tona por seu espírito gentil.

MIGUEL DE ALMEIDA é escritor, editor e foi repórter de Ilustrada nos anos 1980.


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