São Paulo, domingo, 19 de junho de 2011

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

SÃO PAULO FASHION VIDA

Karime Xavier/Folhapress
Pedro Bazani, que usa roupas conceituais para ir à faculdade e ao mercado

Quem compra e usa na vida real peças saídas dos desfiles da semana de moda de SP

Quando apareceu num cartório de regata comprida de algodão rendado, parecida com um microvestido, Pedro Bazani, 22, causou tal sensação que o escrivão teve que se agachar atrás da mesa do cartório para não rir em sua cara. "Foi a única vez que eu senti que não me vestia para a realidade."

 

A peça, desenhada pelo estilista João Pimenta, foi exibida em desfiles na SP Fashion Week em junho do ano passado. De lá, ela foi para a loja, à espera de um comprador ousado que se dispusesse a usá-la no dia a dia, levando para a rua a moda da passarela. Custou R$ 200. Pimenta é do grupo de costureiros que cria roupas conceituais e pouco usuais, para serem mostradas apenas no desfile. Mas há na cidade uma clientela louca por elas. Como Pedro.

 

Ele usa o figurino para ir à faculdade de arquitetura, sair à noite e mesmo ir à feira ou ao mercado, como relata ao repórter Chico Felitti.

 

Para o empresário Tude Bastos, 47, as criações da SPFW são mais que piração de modista. "Eu uso roupas de passarela para almoçar, para jantar. Algumas pessoas me cumprimentam e falam: "Que legal!". Mas são poucas. Sempre estranham. São roupas muito conceituais, para poucos."

 

O conceito tem preço. Bastos chegou a desembolsar R$ 7.000 em uma calça "parecida com uma bombacha" do estilista Lino Villaventura, meio transparente e bordada com vidrilho. "Nem carro popular custa isso!"

 

Mesmo dizendo que sua semana de moda dura as 52 semanas do ano, Tude parou de frequentar a SPFW. "Muito caos, frequência muito ruim, uma gente muito relaxada na plateia." Além de não se identificar com o público, para ele é um problema ver as peças e não poder comprá-las de imediato. "Tenho que esperar umas semanas para chegarem à loja."

 

O intervalo de tempo entre o desfile e o desembarque da roupa nas prateleiras serve para a marca checar com clientes de atacado as peças de sua criação que serão adaptadas para o mercado. "Já nesta semana mostraremos a coleção para os compradores [de filiais da grife ou de multimarcas] e eles fazem os pedidos", diz Eduardo Pombal, que concebe as roupas da Tufi Duek. "Eles é que decidem o que é sucesso comercial e o que é peça-piloto." A peça-piloto só terá um exemplar, o do desfile. Clientes como Tude gostam é delas -mesmo que sejam um terno rajado em lilás e gravata bicolor, de listras.

 

"Nesta coleção, há uma blusa feita de contas de jade, pesando 8 kg, que não reproduziremos", diz o estilista Pombal, que se inspirou nos índios do Xingu para as peças deste verão. Quando não são vendidas, elas vão para o acervo da grife. Servem para o estilista não repetir modelos anos depois.

 

"Para nós, não existe peça-piloto", diz Jeziel Moraes, coordenador do masculino da Colcci, marca popular que trouxe o ator Ashton Kutcher para desfilar. Tudo o que a grife mostrou na SPFW estará em loja. "Para se ter uma noção, camiseta que "sai" bem é a que vende mais de 8.000 peças", diz Moraes.

 

Stephane Park, 25, que trabalha com estampas, diz que não é preciso ser Lady Gaga para usar roupas que antes vestiram modelos. "Só compro peças superusáveis", diz ela, que estudou moda em Londres e trabalhou em marcas como Gucci.

 

De volta ao Brasil, diz, ela teve dificuldade de se achar na moda local. "É tudo colorido e sensual. Gosto de roupas andróginas, um pouquinho mais "dark"." Foi nos desfiles de Pedro Lourenço e seus pais, Gloria Coelho e Reinaldo Lourenço, que ela definiu seu estilo. "Comprei uma blusa desestruturada do Reinaldo. É linda porque parece inacabada."

 

"A peça tem que sumir no seu corpo", filosofa Pedro, o que causou comoção no cartório. Ele diz que não se veste para chocar ninguém, a não ser o pai, com "um leve endividamento no cartão de crédito". Escolhas ousadas demoram para serem tomadas. A saia masculina que estava na gaveta há três meses, por exemplo, ele só teve coragem de usar recentemente.

 

Os cabrestos e mordaças que tapavam as bocas das manequins no desfile de Samuel Cirnansk vão para a loja. "Há quem queira." Já os vestidos usados por modelos com os braços amarrados, não. A costura mostrada no evento serve, diz ele, para despertar o desejo e motivar clientes a fazer encomendas.

 

"É raro eu vender vestido de passarela", afirma Cirnansk. "Só se a menina insistir. E pagar muito." Ou se for a Xuxa. "Para ela eu cedo, sempre. A gente faz uns ajustes nas costas e pronto, tá ótimo!" O resto todo da coleção vai para o que ele chama de "museu da carreira". "Tenho tudo o que eu já fiz guardado. E não quero fazer queima de arquivo, não. Quero guardar minha história comigo."

 

O estilista Jefferson Kulig, que mostrou nesta temporada vestidos de látex com estampa de tricô feito com fios de macarrão, diz que toda a moda deveria ser "completamente vendável". Tanto que afirma comercializar todas as peças de seu desfile em menos de seis meses. "É muito egoísta o estilista querer guardar a coleção para ele. Lugar de roupa é na passarela. E depois, na rua."

TUDE BASTOS
"[Na SPFW há]Muitos caos, frequência MUITO ruim, uma gente muito relaxada na plateia"


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