São Paulo, sexta, 19 de junho de 1998

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CINEMA REESTRÉIA
"A Primeira Noite' testemunha juventude

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Não é preciso mais do que cinco minutos para que "A Primeira Noite de um Homem" diga a que veio.
Lá está, de um lado, Ben Braddock (Dustin Hoffman), o jovem recém-formado que volta ao lar. Lá estão, de outro, os pais, os amigos dos pais.
E basta uma cena do filme para percebermos que ali se confrontam um mundo novo (o dos jovens) e um mundo velho ou, pior que isso, decrépito (o dos adultos).
As primeiras cenas definem "A Primeira Noite de um Homem" e ajudam a fazer dele, ainda hoje, um longa significativo dos sentimentos que circulavam nos anos 60.
Não se tratava da quase natural distância entre duas gerações, mas de uma situação de ruptura, que se aprofundaria a seguir -no caso norte-americano- com o Vietnã, com o "black power", com o feminismo.
Isso é acentuado pela completa caretice de Ben, rapaz sem nenhuma aspiração a transformar o mundo ou mesmo a si próprio, mas que a horas tantas da trama vê-se forçado a tomar em mãos o próprio destino, em vez de ser conduzido pelos pais e circunstantes (adultos) que desejam apossar-se dele.
Tabu
Mas a personagem mais fascinante do filme ainda é, de longe, a bela, infeliz e alcoólatra mrs. Robinson (interpretada por Anne Bancroft), a quem cabe tirar a virgindade de Ben.
Ela não é uma feminista "avant la lettre", mas todos os sintomas da opressão que levaram ao feminismo estão ali.
Só de ver a maneira como conduz Ben -ou o marido-, percebe-se nela um temperamento inexplorado, perdido num universo masculino cheio de convenções e regras mastodônticas.
Existe, por fim, Elaine (Katherine Ross), a filha dos Robinson. Tão careta quanto Ben, ela será o pivô da trama, já que os dois se apaixonam.
Mas Ben vê-se às voltas com um tabu: como casar com uma garota e ser amante da mãe dela?
Hollywood palpável
Do ponto de vista cinematográfico, "A Primeira Noite de um Homem" oferece um interesse óbvio para o espectador contemporâneo: mostrar como Hollywood já foi capaz de criar uma dramaturgia que falava de seres palpáveis.
Não era um filme de exceção, numa época em que havia espaço para várias tendências e vários tipos de busca.
Tampouco era o mais arrojado, numa época em que Arthur Penn, Sam Peckimpah ou Monte Hellman filmavam regularmente, em que Hollywood tinha de se confrontar com Antonionis e Fellinis, Truffauts e Godards.
Para resumir, "A Primeira Noite de um Homem" foi feito numa época em que o cinema não era apenas uma mercadoria, como tende a ser agora.
Do ponto de vista existencial, muita coisa mudou nesses 31 anos. A geração dos 60 hoje carrega suas grisalhas e barrigas.
Os recém-formados de agora, os Ben e Elaine, mobilizam o essencial de suas energias para tentar abrir caminho no mercado de trabalho.
Testemunho
Se o mundo envelheceu nestes últimos 30 anos, o filme de Mike Nichols continua um testemunho pertinente sobre esses anos, os 60, em que a juventude vislumbrou a possibilidade de livrar-se de tutelas e afirmar um entendimento próprio das coisas.
Se é preciso destacar a bela direção de atores e alguns momentos muito fortes (como a cena final, na igreja), se se pode, hoje, lamentar que mrs. Robinson seja um tanto largada pelo caminho, o que impõe "A Primeira Noite de um Homem" ao espectador de 1998 é a sensação de frescor que transmite, ao nos remeter a um mundo que procurava substituir uma velha ordem por uma nova desordem.

Filme: A Primeira Noite de um Homem Produção: EUA, 1967 Direção: Mike Nichols Com: Dustin Hoffman, Anne Bancroft, Katherine Ross Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema - sala 1


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