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CINEMA REESTRÉIA
"A Primeira Noite' testemunha juventude
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Não é preciso mais do que cinco
minutos para que "A Primeira
Noite de um Homem" diga a que
veio.
Lá está, de um lado, Ben Braddock (Dustin Hoffman), o jovem
recém-formado que volta ao lar.
Lá estão, de outro, os pais, os amigos dos pais.
E basta uma cena do filme para
percebermos que ali se confrontam um mundo novo (o dos jovens) e um mundo velho ou, pior
que isso, decrépito (o dos adultos).
As primeiras cenas definem "A
Primeira Noite de um Homem" e
ajudam a fazer dele, ainda hoje,
um longa significativo dos sentimentos que circulavam nos anos
60.
Não se tratava da quase natural
distância entre duas gerações, mas
de uma situação de ruptura, que se
aprofundaria a seguir -no caso
norte-americano- com o Vietnã,
com o "black power", com o feminismo.
Isso é acentuado pela completa
caretice de Ben, rapaz sem nenhuma aspiração a transformar o
mundo ou mesmo a si próprio,
mas que a horas tantas da trama
vê-se forçado a tomar em mãos o
próprio destino, em vez de ser
conduzido pelos pais e circunstantes (adultos) que desejam apossar-se dele.
Tabu
Mas a personagem mais fascinante do filme ainda é, de longe, a
bela, infeliz e alcoólatra mrs. Robinson (interpretada por Anne
Bancroft), a quem cabe tirar a virgindade de Ben.
Ela não é uma feminista "avant
la lettre", mas todos os sintomas
da opressão que levaram ao feminismo estão ali.
Só de ver a maneira como conduz Ben -ou o marido-, percebe-se nela um temperamento
inexplorado, perdido num universo masculino cheio de convenções
e regras mastodônticas.
Existe, por fim, Elaine (Katherine Ross), a filha dos Robinson.
Tão careta quanto Ben, ela será o
pivô da trama, já que os dois se
apaixonam.
Mas Ben vê-se às voltas com um
tabu: como casar com uma garota
e ser amante da mãe dela?
Hollywood palpável
Do ponto de vista cinematográfico, "A Primeira Noite de um
Homem" oferece um interesse óbvio para o espectador contemporâneo: mostrar como Hollywood
já foi capaz de criar uma dramaturgia que falava de seres palpáveis.
Não era um filme de exceção,
numa época em que havia espaço
para várias tendências e vários tipos de busca.
Tampouco era o mais arrojado,
numa época em que Arthur Penn,
Sam Peckimpah ou Monte Hellman filmavam regularmente, em
que Hollywood tinha de se confrontar com Antonionis e Fellinis,
Truffauts e Godards.
Para resumir, "A Primeira Noite de um Homem" foi feito numa
época em que o cinema não era
apenas uma mercadoria, como
tende a ser agora.
Do ponto de vista existencial,
muita coisa mudou nesses 31 anos.
A geração dos 60 hoje carrega suas
grisalhas e barrigas.
Os recém-formados de agora, os
Ben e Elaine, mobilizam o essencial de suas energias para tentar
abrir caminho no mercado de trabalho.
Testemunho
Se o mundo envelheceu nestes
últimos 30 anos, o filme de Mike
Nichols continua um testemunho
pertinente sobre esses anos, os 60,
em que a juventude vislumbrou a
possibilidade de livrar-se de tutelas e afirmar um entendimento
próprio das coisas.
Se é preciso destacar a bela direção de atores e alguns momentos
muito fortes (como a cena final,
na igreja), se se pode, hoje, lamentar que mrs. Robinson seja um
tanto largada pelo caminho, o que
impõe "A Primeira Noite de um
Homem" ao espectador de 1998 é
a sensação de frescor que transmite, ao nos remeter a um mundo
que procurava substituir uma velha ordem por uma nova desordem.
Filme: A Primeira Noite de um Homem
Produção: EUA, 1967
Direção: Mike Nichols
Com: Dustin Hoffman, Anne Bancroft,
Katherine Ross
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema - sala 1
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