São Paulo, sexta-feira, 19 de julho de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"UMA VIDA EM SEGREDO"

Baseado em Autran Dourado, filme tem ótica feminina

Suzana Amaral ousa com Macabéa sem sonhos

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

"Uma Vida em Segredo" conta a história de uma moça cujo olhar se volta para o passado, para a fazenda onde passou a infância, e é obrigada a construir uma personalidade no ambiente novo de uma pequena cidade.
A menina, chamada de Biela (corruptela de Gabriela), é bastante parecida com Macabéa, a protagonista de "A Hora da Estrela", que Suzana Amaral dirigiu em 1985.
Ambas não tiveram educação e carecem de traquejo social. Viveram isoladas no campo e dele tiveram de sair devido à orfandade. Desengonçadas, elas se adaptam à vida urbana.
Cessam aí as semelhanças. A pobre Macabéa muda-se para São Paulo, vive do seu salário de datilógrafa, tem uma mulher escolada na vida como companheira de quarto e namora um metalúrgico. E, ainda mais importante, Macabéa fantasia, quer ser estrela de cinema.
Em "Uma Vida em Segredo", baseado num romance de Autran Dourado, os contrastes são bem menores. Biela (Sabrina Greve) muda-se para um vilarejo das redondezas que serve de extensão para a pasmaceira rural.
Ela é acolhida calidamente numa família de primos que não conhecia. Para noivar, depende da intermediação de seu primo e tutor (Cacá Amaral) e do afã casamenteiro da prima (Eliane Giardini). Também não é pobre, pois herdou terras e dinheiro. E, o que é definidor, Biela não tem sonhos.

Radicalização
Suzana Amaral radicalizou a perspectiva de "A Hora da Estrela". Radicalizou no sentido do atenuamento, o que é ainda mais ousado. A personalidade de Biela é mais apagada que a de Macabéa, as mudanças que ela enfrenta são menos espetaculares e o choque entre fantasia e realidade inexiste.
E, no entanto, a vida de Biela muda. Orientada pela prima, aceita trocar os vestidinhos de chita por roupas elaboradas. Aceita fazer as refeições com os primos, afastando-se do convívio com os criados na cozinha. Aceita noivar o filho de um amigo da família.
Mas, sem dar explicações, o noivo de expressão bovina desaparece. Biela pára então de aceitar passivamente o mundo. Não volta para a fazenda nem parte para uma vida nova numa cidade grande.
Biela continua no vilarejo, onde pratica pequenos atos de rebeldia. Retoma as roupas antigas, frequenta os criados e trabalha como empregada em outras casas. Não cobra, mas é paga pelos serviços. Não precisa do dinheiro, que guarda embaixo da cama.
O que Suzana parece estar dizendo é que, nas vidas quietas e frustradas, de horizontes sociais limitados, as mulheres estão sempre fazendo escolhas, construindo em segredo o seu destino. Sua ótica é mais feminina que feminista.
Ou talvez nem isso: sua ótica é humana num sentido elementar, que roça a animalidade (Biela é comparada a uma mula quando faz xixi de pé; e sua maior afeição vai para um cachorrinho), mas precisa confrontar o poder do dinheiro e das convenções.
Há beleza nessa visão, que requer do espectador atenção para sutilezas e nuanças. Mas há também um quê de miniaturização e de parábola atemporal. O desempenho de Eric Nowinski como o noivo, curto e contundente como uma bofetada, e a interpretação de Sabrina Greve, surpreendente para uma estréia no cinema, transcendem essas limitações.


Uma Vida em Segredo    
Direção: Suzana Amaral
Produção: Brasil, 2001
Com: Sabrina Greve, Neuza Borges
Quando: a partir de hoje nos cines ABC Plaza Shopping, Espaço Unibanco e Frei Caneca Unibanco Arteplex



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