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CINEMA/ESTRÉIA
"UMA VIDA EM SEGREDO"
Baseado em Autran Dourado, filme tem ótica feminina
Suzana Amaral ousa com Macabéa sem sonhos
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
"Uma Vida em Segredo"
conta a história de uma
moça cujo olhar se volta para o
passado, para a fazenda onde passou a infância, e é obrigada a
construir uma personalidade no
ambiente novo de uma pequena
cidade.
A menina, chamada de Biela
(corruptela de Gabriela), é bastante parecida com Macabéa, a
protagonista de "A Hora da Estrela", que Suzana Amaral dirigiu
em 1985.
Ambas não tiveram educação e
carecem de traquejo social. Viveram isoladas no campo e dele tiveram de sair devido à orfandade.
Desengonçadas, elas se adaptam à
vida urbana.
Cessam aí as semelhanças. A
pobre Macabéa muda-se para São
Paulo, vive do seu salário de datilógrafa, tem uma mulher escolada
na vida como companheira de
quarto e namora um metalúrgico.
E, ainda mais importante, Macabéa fantasia, quer ser estrela de cinema.
Em "Uma Vida em Segredo",
baseado num romance de Autran
Dourado, os contrastes são bem
menores. Biela (Sabrina Greve)
muda-se para um vilarejo das redondezas que serve de extensão
para a pasmaceira rural.
Ela é acolhida calidamente numa família de primos que não conhecia. Para noivar, depende da intermediação de seu primo e tutor (Cacá Amaral) e do afã casamenteiro da prima (Eliane Giardini). Também não é pobre, pois
herdou terras e dinheiro. E, o que é definidor, Biela não tem sonhos.
Radicalização
Suzana Amaral radicalizou a perspectiva de "A Hora da Estrela". Radicalizou no sentido do atenuamento, o que é ainda mais ousado. A personalidade de Biela é
mais apagada que a de Macabéa, as mudanças que ela enfrenta são menos espetaculares e o choque entre fantasia e realidade inexiste.
E, no entanto, a vida de Biela muda. Orientada pela prima, aceita trocar os vestidinhos de chita por roupas elaboradas. Aceita fazer as refeições com os
primos, afastando-se do convívio com os criados na cozinha. Aceita
noivar o filho de um amigo da família.
Mas, sem dar explicações, o noivo de expressão bovina desaparece. Biela pára então de aceitar passivamente o mundo. Não volta para a fazenda nem parte para
uma vida nova numa cidade grande.
Biela continua no vilarejo, onde
pratica pequenos atos de rebeldia.
Retoma as roupas antigas, frequenta os criados e trabalha como
empregada em outras casas. Não
cobra, mas é paga pelos serviços.
Não precisa do dinheiro, que
guarda embaixo da cama.
O que Suzana parece estar dizendo é que, nas vidas quietas e
frustradas, de horizontes sociais
limitados, as mulheres estão sempre fazendo escolhas, construindo em segredo o seu destino. Sua
ótica é mais feminina que feminista.
Ou talvez nem isso: sua ótica é
humana num sentido elementar,
que roça a animalidade (Biela é
comparada a uma mula quando
faz xixi de pé; e sua maior afeição
vai para um cachorrinho), mas
precisa confrontar o poder do dinheiro e das convenções.
Há beleza nessa visão, que requer do espectador atenção para
sutilezas e nuanças. Mas há também um quê de miniaturização e
de parábola atemporal. O desempenho de Eric Nowinski como o
noivo, curto e contundente como
uma bofetada, e a interpretação
de Sabrina Greve, surpreendente
para uma estréia no cinema,
transcendem essas limitações.
Uma Vida em Segredo
Direção: Suzana Amaral
Produção: Brasil, 2001
Com: Sabrina Greve, Neuza Borges
Quando: a partir de hoje nos cines ABC
Plaza Shopping, Espaço Unibanco e Frei
Caneca Unibanco Arteplex
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