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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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"GENET - UMA BIOGRAFIA"

Epítetos de Genet dificultam biografia

RODRIGO PETRONIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ladrão , vagabundo, soldado, prostituto, andarilho, anarquista, inimigo da França, filho da previdência social, apóstolo das hierarquias, bibelô de intelectuais, dramaturgo, militante radical, mártir e, sob certas circunstâncias, defensor do terrorismo.
Eis alguns dos epítetos que acompanharam Jean Genet em sua passagem pela Terra. Por meio deles vemos alguém capaz de conciliar as contradições do mundo, e de chafurdar no pecado com a inocência de uma criança.
Essa pletora de faces de uma vida não facilita em nada o trabalho de biografá-la. Ao contrário, o dificulta, já que põe o estudioso entre dois equívocos: mistificar seu personagem ou reforçar os traços gastos (e entediantes) do seu caráter transgressor. É esse o trabalho difícil que Edmund White enfrenta em "Genet - Uma Biografia".
Genet nasceu em Paris, em 1910, mas foi abandonado em um orfanato e adotado por uma família de artesãos. Pequenos furtos o levaram ao reformatório de Mettray, de onde saiu para o Exército. Seguiu com as tropas francesas para a campanha da Síria. Mas sua inaptidão para a vida militar o devolveu à França.
Sua estada na Espanha, iniciada em 1932, foi só o primeiro passo de um itinerário dos mais errantes. Fez uma peregrinação a pé por diversos países, chegando à Albânia e ao sul da Itália, sob uma condição de indigência, vivendo de prostituição e da delinquência.
No entanto, nessa época Genet também consolidou leituras e talento literário. Voltou a Paris para integrar o ambiente artístico de Montmartre. É lá que, entre 1940 e 47, escreveu não só seu primeiro romance, "Nossa Senhora das Flores", mas a maior parte de sua obra. Porém, foi em 1944 que os seus rumos mudaram.
Pode-se dizer que o ano em que conheceu Sartre foi decisivo e lhe deu projeção. Sartre já gozava de notoriedade, e, intrigado com o enigma de um escritor da importância de Genet surgido da pior abjeção humana, adotou-o intelectualmente e dissecou-o em estudo: "São Genet - Ator e Mártir".
Seguiram-se montagens de suas peças, novas obras e viagens. Envolveu-se em questões políticas e tomou partido dos palestinos.
A prosa de White é ágil e elegante, e o livro, fartamente documentado. Há apenas um problema: quando o autor abandona a narrativa e desce para as questões mais analíticas, incorre em abordagens simplistas e inócuas de autores, o que dá certo desnível ao texto. Isso ocorre quando trata de algumas leituras de Genet, como Proust, Rimbaud e Gide.
Diz o bom ceticismo que a utopia é a superstição dos intelectuais. Em um século que quis reinventar a roda e mudar o mundo, com delírios futuristas, sociedades ideais e insônia tecnológica, Genet propõe uma espécie curiosa de mito regressivo a uma hipotética fraternidade medieval. Articuladas, sua obra e sua vida transcendem o aspecto estrito da literatura e desaguam no horizonte da santidade e da via-crúcis mística.
Em seu mundo não há heróis ou vítimas, escravos ou algozes. Misto de litania do sexo e transfiguração da dor em elixir, Genet oferece uma religião puramente terrena, onde a suspensão do pecado e da culpa se assemelha a mais almejada das purificações.

Genet - Uma Biografia


   
Autor: Edmund White
Editora: Record
Quanto: R$ 85 (784 págs.)



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