|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"GENET - UMA BIOGRAFIA"
Epítetos de Genet dificultam biografia
RODRIGO PETRONIO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ladrão , vagabundo, soldado,
prostituto, andarilho, anarquista, inimigo da França, filho da
previdência social, apóstolo das
hierarquias, bibelô de intelectuais, dramaturgo, militante radical, mártir e, sob certas circunstâncias, defensor do terrorismo.
Eis alguns dos epítetos que
acompanharam Jean Genet em
sua passagem pela Terra. Por
meio deles vemos alguém capaz
de conciliar as contradições do
mundo, e de chafurdar no pecado
com a inocência de uma criança.
Essa pletora de faces de uma vida não facilita em nada o trabalho
de biografá-la. Ao contrário, o dificulta, já que põe o estudioso entre dois equívocos: mistificar seu
personagem ou reforçar os traços
gastos (e entediantes) do seu caráter transgressor. É esse o trabalho
difícil que Edmund White enfrenta em "Genet - Uma Biografia".
Genet nasceu em Paris, em 1910,
mas foi abandonado em um orfanato e adotado por uma família
de artesãos. Pequenos furtos o levaram ao reformatório de Mettray, de onde saiu para o Exército.
Seguiu com as tropas francesas
para a campanha da Síria. Mas
sua inaptidão para a vida militar o
devolveu à França.
Sua estada na Espanha, iniciada
em 1932, foi só o primeiro passo
de um itinerário dos mais errantes. Fez uma peregrinação a pé
por diversos países, chegando à
Albânia e ao sul da Itália, sob uma
condição de indigência, vivendo
de prostituição e da delinquência.
No entanto, nessa época Genet
também consolidou leituras e talento literário. Voltou a Paris para
integrar o ambiente artístico de
Montmartre. É lá que, entre 1940 e
47, escreveu não só seu primeiro
romance, "Nossa Senhora das
Flores", mas a maior parte de sua
obra. Porém, foi em 1944 que os
seus rumos mudaram.
Pode-se dizer que o ano em que
conheceu Sartre foi decisivo e lhe
deu projeção. Sartre já gozava de
notoriedade, e, intrigado com o
enigma de um escritor da importância de Genet surgido da pior
abjeção humana, adotou-o intelectualmente e dissecou-o em estudo: "São Genet - Ator e Mártir".
Seguiram-se montagens de suas
peças, novas obras e viagens. Envolveu-se em questões políticas e
tomou partido dos palestinos.
A prosa de White é ágil e elegante, e o livro, fartamente documentado. Há apenas um problema:
quando o autor abandona a narrativa e desce para as questões
mais analíticas, incorre em abordagens simplistas e inócuas de autores, o que dá certo desnível ao
texto. Isso ocorre quando trata de
algumas leituras de Genet, como
Proust, Rimbaud e Gide.
Diz o bom ceticismo que a utopia é a superstição dos intelectuais. Em um século que quis
reinventar a roda e mudar o mundo, com delírios futuristas, sociedades ideais e insônia tecnológica,
Genet propõe uma espécie curiosa de mito regressivo a uma hipotética fraternidade medieval. Articuladas, sua obra e sua vida transcendem o aspecto estrito da literatura e desaguam no horizonte da
santidade e da via-crúcis mística.
Em seu mundo não há heróis ou
vítimas, escravos ou algozes. Misto de litania do sexo e transfiguração da dor em elixir, Genet oferece uma religião puramente terrena, onde a suspensão do pecado e
da culpa se assemelha a mais almejada das purificações.
Genet - Uma Biografia
Autor: Edmund White
Editora: Record
Quanto: R$ 85 (784 págs.)
Texto Anterior: São Genet Próximo Texto: Walter Salles: Um adeus a Compay Segundo e o impacto de "Suite Habana" Índice
|