São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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Robert Smith, líder do The Cure, une-se a guru do novo metal e retorna à boa forma

SYLVIE SIMMONS
DA "INTERNATIONAL FEATURE AGENCY"

A sala é simples e desprovida de personalidade. Parece um salão de espera de classe executiva no aeroporto. Mas o homem que a ocupa não parece um empresário. Ele se parece mais com um porco-espinho desprevenido arrastado por um furacão para fora de sua toca segura e aconchegante, arremessado à seção de moda adolescente de uma loja de departamentos e depois lançado de cabeça no balcão de cosméticos. Corpulento e com cara de sono, Robert Smith parece ter acabado de acordar.
Um novo disco, chamado "The Cure", acabou de ser lançado, e disso se pode deduzir que Smith não cumpriu a promessa de que seu próximo trabalho seria o primeiro álbum solo de sua carreira.
"Eu estava falando sério quanto a isso, aliás. Depois de "Greatest Hits" (2001), pela primeira vez em minha vida adulta eu passei algum tempo sem ter um contrato com gravadaora. E por isso pensei que podia me libertar dessa idéia de sempre trabalhar com o Cure. Comecei realizando uma série de colaborações, como parte do processo de me afastar daquilo que estava fazendo. Cheguei a reservar tempo em um estúdio de gravação", diz Smith.
"Quando fomos a Berlim no final de 2002 para tocar naqueles shows que resultou no DVD "Trilogy", minha intenção era que fossem a última coisa da carreira do Cure", acrescenta.
"Mesmo. Eu tinha a idéia de aquilo seria o fim do Cure, e passei meses antes da turnê me colocando no estado de espírito necessário para fazer justiça ao que considero os três melhores discos que já tínhamos gravado, "Pornography", "Disintegration" e "Bloodflowers". A banda tocou as canções desses trabalhos ao vivo, e filmou os shows para o DVD que saiu no ano passado", lembra.
E o que fez com que mudasse de idéia? "Mais ou menos nessa época, fui apresentado a Ross Robinson. E aí tudo mudou."
Robinson começou como um guitarrista de thrash metal malsucedido. Mas se transformou em um produtor de sucessos do rap metal e do nu metal, com bandas como Korn, Slipknot e Limp Bizkit. E por muito tempo Robinson dizia a todo mundo, até mesmo a Smith, que era fã apaixonado do Cure e desejava produzir a banda.
"Fiquei lisonjeado com a atenção", diz Smith, "mas não sabia realmente o que pensar. Porque eu gostava de algumas das coisas que ele fez, como At The Drive In, mas não gostava muito do Limp Bizkit e desse tipo de música. Não achava que as coisas fossem em frente, mas quando ele veio nos ver tocar em 2002, eu realmente me entendi bem com ele". Smith conversou com Robinson sobre a produção do disco solo cuja gravação estava marcada para o início de 2003. "Mas ele me colocou no meu lugar. Insistia que fosse um disco do Cure. Dizia que não queria fazer um disco solo, que era hora de um novo do Cure, que ele sentia no ar o momento."
Robinson não estava sozinho quanto a isso. Nos últimos anos, é praticamente impossível encontrar uma banda jovem norte-americana sem ouvir o nome do Cure surgir na conversa em algum momento. Nem ir a um show de banda jovem que não contenha uma referência ao Cure, aos vocais e guitarras que caracterizam a banda. "É esquisito", diz Smith. "Todo mundo fala da gente: Deftones, The Rapture, Hot Hot Heat... Talvez essas pessoas que agora se tornaram músicos tenham crescido ouvindo "Disintegration", ou talvez estejamos falando de uma nova geração que redescobriu aquilo que fizemos, mas parece ter havido uma retomada", diz.
"Eu achava que poderia vir a me arrepender disso, mas também sentia que, por nossos caminhos se cruzarem, a coincidência era grande demais para ignorar. Decidi então que meu disco solo esperaria mais uns dois anos, e decidi partir para o trabalho com a banda. Fico feliz que tenha sido assim, porque acho esse disco infinitamente melhor."
Tão bom, de fato, que ele o batizou "The Cure". "Era o título provisório quando começamos a gravar. Antes de eu entrar no estúdio, Ross me disse que se tratava da culminação de 25 anos do meu trabalho, e que era o momento em que todas as coisas deviam se integrar. Acho que ele imaginava que se o disco tivesse o nome "The Cure", nós todos daríamos o máximo no trabalho. É definitivamente a coisa mais apaixonada que já fiz, e por isso fiquei contente em manter o título. Porque, se você não gosta desse disco, não gosta do Cure", afirma.
"Ross é uma pessoa um tanto estranha, de certa forma ingênua, meio desajeitada. Mas também é um cara muito esperto, incrivelmente entusiasmado e, quando fica obcecado por alguma coisa, se torna incansável. Ross basicamente se enfiou no meio da banda e mudou completamente a dinâmica do Cure. Não discutimos nenhuma vez, não tivemos nada de negativo a dizer sobre qualquer ponto do trabalho", diz.
"Chegamos a um ponto em que, quando estávamos tocando uma canção, Ross entrava no estúdio e se posicionava no meio de nós e perguntava se estávamos sentindo aquilo. E ele tinha razão. Era como nos melhores momentos de um show, no palco", diz.
"É por isso que continuo a fazer isso, na minha idade. Robinson trouxe tudo isso de volta à banda. Foi incrivelmente revigorante. Nunca fiz nada igual. No final de cada dia, estávamos esgotados pelo trabalho, mas olhávamos uns para os outros e pensávamos que amanhã estaríamos lá de novo, e era o que mais queríamos", diz. Quando o álbum foi concluído, em lugar de sentir que a única coisa que desejava era desfazer a banda, Smith dessa vez está falando sobre um novo disco.
Smith montou uma lista considerável de bandas entre as quais The Rapture, Mogwai, Muse, Head Automatica, Interpol e Melissa Auf Der Maur -que foram influenciadas pelo Cure ou se declaram fãs da banda. Parece que ele se inspirou em outro veterano do rock inglês cuja reputação foi reabilitada nos últimos anos, Ozzy Osbourne, e seu Ozz-fest.
É o Curiosa, festival encabeçado pelo Cure que tem início no próximo sábado nos EUA. "Eu escolhi as bandas que tocarão com a gente, e sei que todas elas, exceto uma sobre a qual não estou certo, gostam do Cure. Posso ouvir pedaços do nosso som no Rapture ou no Mogwai. Se eu fosse fã do Cure e visse todas essas bandas participando do mesmo espetáculo, eu adoraria, porque é uma coleção de pessoas que acredita muito naquilo que faz e aspira a algo mais. Há algo de comum entre nós todos, o espírito, a paixão. Gosto de assistir a uma banda que sinto estar pronta para morrer tocando, como se não fosse apenas um show. Vai ser uma experiência aterrorizante, estar no palco depois de todas essas bandas. Nós teremos de tocar muito bem ou sairemos humilhados", diz.


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