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LITERATURA/MEMÓRIA
Morte e obsessão artística marcam prosa de Haroldo Maranhão
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
É tentador traçar um paralelo entre o paraense Haroldo
Maranhão, morto em Petrópolis
na última quinta-feira, aos 76
anos, e o carioca Machado de Assis. "Memorial de Aires", deste último, foi publicado no ano da
morte de seu autor, em 1908.
"Memorial do Fim", do primeiro, que parodia o estilo do segundo, foi relançado três meses atrás,
quando a saúde do paraense já se
achava bastante debilitada.
Mas há uma diferença de grau
entre o significado da morte de
um e de outro escritor. Quando
Machado morreu, considerado
modelo literário, era presidente
da Academia Brasileira de Letras,
alto funcionário público, amigo
de pessoas influentes da vida nacional.
Maranhão andava injustamente
esquecido. Sua morte não abalou
a nação. Mas há esperança. A editora Planeta iniciou, com "Memorial do Fim", a republicação de
sua obra. O próximo volume é
uma coletânea de contos, a ser
lançada até o final do ano.
Os contos estão sendo selecionados pelo crítico e filósofo Benedito Nunes, grande admirador
(além de conterrâneo) de Maranhão.
Plasma de estilos
Um dos traços formais de sua
escrita é a obsessão artística com
que plasma estilos diversos. Um
exemplo é "O Tetraneto Del-Rei"
(1982), romance picaresco que retrata a trajetória de Dom Jerônimo de Albuquerque, fundador da
cidade de Natal. Nesta obra, o ficcionista reconstrói, ou, como se
diz hoje em dia, desconstrói, a
prosa seiscentista.
Para inventar o "Memorial do
Fim", Maranhão relia diariamente a obra de Machado e reescrevia
dezenas de vezes cada frase de seu
romance, até encontrar o tom
adequado. As várias versões foram redigidas à mão, a despeito
de proibição médica. O esforço,
aliado a duas tromboses, custou-lhe um dedo da mão direita - como ele gostava de contar.
A morte, ou o medo da morte,
domina seus textos, como a coletânea de histórias "As Peles Frias"
(1982), em que se destaca a premiada novela "A Morte de Haroldo Maranhão". "Cabelos no Coração" (1990), um catatau de quase 500 páginas (saudado pelo filólogo Antônio Houaiss como "um
romance para grandes leitores")
foi escrito em quatro meses, pois
o autor tinha receio de morrer antes de concluí-lo.
Maranhão começou tarde na literatura, aos 41 anos, com "A Estranha Xícara", livro lançado em
1968. Sua trajetória, porém, está
desde muito antes intimamente
ligada ao jornal "A Folha do Norte", fundado por seu avô.
O escritor criou e dirigiu o suplemento literário do periódico,
no qual colaboraram, na década
de 1940, muitos dos nomes mais
importantes das letras, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.
As experiências com a linguagem e com os limites entre os gêneros literários podem ter dificultado o acesso dos leitores aos livros de Maranhão. Ele nunca foi
popular, embora tenha sido inúmeras vezes premiado, elogiado
pela crítica e publicado em outros
países.
Há três anos a Companhia Vale
do Rio Doce adquiriu parte de seu
acervo, que hoje figura em sala especial da Biblioteca Pública Arthur Vianna, no Pará. Sua obra
antiga está sendo reeditada. Inéditos virão a lume, dentre os quais
uma peça de teatro sobre o período da ditadura.
Talvez, com a morte, Maranhão
afinal alcance, ao contrário de
Machado, um pouco do reconhecimento sem pausa que a vida lhe
negou.
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