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A saga do tomate
Oferta de variedades aumenta, mas tomate ainda tem qualidade irregular, com frutos insípidos, duros e pálidos
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
A interrogação que martela a
cabeça de quem gosta de cozinhar (e de comer) é a mesma
que levou anos atrás o italiano
Sauro Scarabotta, chef do
Friccó, a campo: por que é tão
difícil encontrar tomates de
boa qualidade no Brasil?
À época, ele visitou uma estação experimental de tomates
em Paulínia (no interior de São
Paulo), andou pela plantação e
provou mais de 40 frutos. Voltou com o bagageiro do carro
lotado e fez uma pilha de tomates na entrada do restaurante.
Ao oferecê-los aos clientes, ouviu de muitos: "Não, eu não
gosto de tomate".
"É claro, só tinham comido
tomate ruim", diz Scarabotta,
que cresceu vendo a avó e a mãe
cultivarem o fruto para consumo próprio. "Procurei muito
porque achava uma pena um
país com um clima tão bom não
ter um tomate gostoso."
O tão almejado sabor deste
fruto oriundo da região andina
vem do equilíbrio de açúcares e
ácidos orgânicos, componentes
que correspondem a 5% do tomate -95% é água.
Pouco ácido e pouco açúcar
dão origem aos frutos insípidos
que pululam as prateleiras. Por
outro lado, a oferta de variedades diferentes aos poucos tem
aumentado. É possível encontrar tomates muito saborosos,
como o momotaro, mas a preços nem sempre atraentes (leia
mais à esquerda).
No Pomodori, onde o tomate
aparece não só no nome do restaurante (está presente até em
um sorvete), exemplares de
qualidade duvidosa não são
mais um problema.
"Achamos fazendas que nos
fornecem um tomate extremamente vermelho, firme e doce,
que chegou ao máximo da maturação no pé", diz Rodrigo
Martins, chef do restaurante.
"Pagamos mais caro que na feira, mas não sofremos com os altos e baixos, principalmente
quando chove, e, para evitar as
pragas, o produtor acaba colhendo o fruto mais cedo."
Longa vida, gosto limitado
"Se você tem de transportar
tomate nas condições péssimas
que nós temos no Brasil, com as
condições de produção que nós
temos, o tomate chega ao destino ketchup, porque o fruto não
tem estrutura", diz Paulo César
Tavares de Melo, professor
doutor do departamento de
produção vegetal da Esalq-USP
e presidente da Associação Brasileira de Horticultura.
Ocorre que nas últimas décadas muitas variedades passaram por melhorias genéticas
para selecionar frutos menos
perecíveis, com vida útil maior.
O resultado é o chamado tomate "longa vida" (comercialmente conhecido como Carmen),
que amenizou os problemas de
produção e distribuição, mas,
em contrapartida, criou outro
para o consumidor: um fruto rijo, com pouco gosto e pálido.
"No final dos anos 70, Israel
identificou os chamados retardadores de maturação, que ampliam a vida de prateleira do tomate", diz Melo. "Mas, quando
esse interruptor é desativado,
prejudica-se o desenvolvimento dos componentes que dão
sabor e aroma ao fruto."
O outro tipo de longa vida
disponível no mercado, o estrutural do tipo Santa Cruz (ou
Débora), foi selecionado para
ter paredes grossas. Tem mais
celulose e pectina, substâncias
que o tornam firmes e ampliam
sua durabilidade, sem prejudicar tanto o sabor.
"O tomate longa vida realmente consegue ampliar a vida
de prateleira de um produto
que é muito perecível. Acontece que, se o tomate longa vida,
como em alguns países da Europa, é deixado na planta até
um estágio avançado de maturação, há um dano menor em
relação a suas qualidades gustativas, mas isto não acontece
no Brasil. Eles são colhidos verdes", diz o professor.
"Tomate se compra o ano todo porque o Brasil é um país
tropical. E, a rigor, não precisaria nem ter tomate longa vida.
Para que ter 20 dias de vida em
prateleira se há uma estatística
mostrando que a dona-de-casa
vai ao supermercado duas vezes por semana? O tomate não
precisa durar 15 dias."
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