AMIR LABAKI
enviado especial a Nova York

Restrições ao filme à parte, "De Olhos Bem Fechados" reafirma a maestria de Stanley Kubrick na concepção da trilha musical de suas obras.
Sua erudição na área é lendária, abarcando todos os gêneros e por vezes dispensando-o de recorrer aos préstimos de um compositor específico. Não foi o caso, e a feliz opção pela jovem britânica Jocelyn Pook garantiu um dos pontos máximos de seu novo filme.
Apenas no início de carreira Kubrick teve um parceiro musical fixo. Gerald Fried trabalhou com ele nas trilhas dos quatro primeiros longas (de "Fear and Desire" a "Glória Feita de Sangue"). A partir da ruptura, Kubrick jamais repetiu colaborações com qualquer compositor.
Nem mesmo após contar com Alex North para "Spartacus" e Nelson Riddle para "Lolita". De fato, Kubrick chamou para si também a responsabilidade de conceber o comentário musical de seus filmes. Desenvolveu um estilo eclético e irônico, misturando peças clássicas e standards pop, resultando em trilhas inteligentes e de inegável impacto. Ninguém ouve "Cantando na Chuva" com a mesma inocência após assistir a "Laranja Mecânica".
A fórmula ganha em sofisticação com "De Olhos Bem Fechados". A participação de Jocelyn Pook é reduzida, mas essencial. Kubrick confiou-lhe a composição e interpretação de quatro dos temas centrais do filme.
"Naval Officer" e "The Dream" são peças tristes e minimalistas que comentam os devaneios eróticos do casal Harford (Tom Cruise e Nicole Kidman). "Masked Ball", com imponente coro, paira acima da equivocada concepção da orgia central do filme. Por fim, "Migrations" traduz bem o multiculturalismo essencial de Nova York, onde tudo se passa.
O restante da trilha de "De Olhos Bem Fechados" ergue-se pelas heterodoxas e bem-humoradas escolhas do próprio Kubrick. O tema central, misterioso e compassado, é uma exigente peça para piano de Gyorgi Ligeti, gravada especialmente para o filme por Dominic Harlan.
Liszt e Shostakovich também marcam presença, mas a trilha é majoritariamente pop. Chris Isaak gravou a balada principal, "Baby Did a Bad Bad Thing", presente no trailer.
Uma versão orquestral para "When I Fall in Love" faz o contraponto irônico aos flertes extraconjugais da festa de abertura. Na mesma linha, "Strangers in the Night" funciona no baile de máscaras.
Com Kubrick, a arte da música para cinema tornou-se outra. Sem ele, jamais será a mesma.

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