São Paulo, Segunda-feira, 19 de Julho de 1999
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MÚSICA
Regente norte-americano e orquestra alemã preparam CDs com obra integral do compositor brasileiro
Maestro grava sinfonias de Villa-Lobos

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Um regente norte-americano e uma orquestra alemã estão tocando o mais importante projeto fonográfico de música brasileira deste ano: a primeira gravação integral das sinfonias de Villa-Lobos, cujo 40º aniversário de morte é celebrado em 1999.
Diretor musical da orquestra californiana Pacific Symphony, Carl St. Clair começou o trabalho pelas sinfonias de números 6 e 8, em fevereiro, na cidade alemã de Sindlefingen, com a Südwest Rundfunk Orchester (Orquestra da Rádio do Sudoeste da Alemanha, sediada em Stuttgart).
De lá para cá, a orquestra já registrou todas as sinfonias de Villa-Lobos -com exceção da maior do ciclo, a décima ("Sumé Pater Patrium"), agendada para dezembro, e da quinta ("A Paz"), cuja partitura se perdeu.
Peças menores, como a "Sinfonieta nº 1", devem completar a coleção, cujo lançamento e número de CDs ainda não foram decididos pelo selo alemão CPO (distribuído no Brasil pela RKR Discos).
É difícil exagerar a relevância do projeto de St. Clair. Parte menos conhecida e executada da enorme produção musical do compositor, as sinfonias também estão escassamente representadas em disco.
Existe apenas uma gravação comercial da sexta (feita pelo maestro Roberto Duarte para a Marco Polo) e duas da quarta ("A Vitória"), realizadas pelo próprio Villa-Lobos (EMI) e pela Orquestra Simón Bolívar, da Venezuela.
Adicionalmente, a maestrina Gisele Ben-Dor está registrando a "Sinfonia nº 10" com a Santa Barbara Symphony.
Como de hábito nas obras do compositor brasileiro, além da dificuldade técnica da música, os maiores problemas de interpretação resultam da qualidade precária do material impresso.
"Não é incomum achar de 200 a 500 erros em uma só sinfonia", diz St. Clair, em entrevista concedida por e-mail. "Além de corrigir os erros, tive de acrescentar algumas marcações (crescendos, diminuendos, dinâmica, tempo etc.) que estavam faltando."
Quanto ao manuscrito da "Sinfonia nº 5", o regente texano afirma que Marcelo Rodolfo, do Museu Villa-Lobos, do Rio de Janeiro, "esteve atrás dela durante pelo menos 20 anos".
"O maestro Eleazar de Carvalho iria regê-la no Carneggie Hall, em 1950, mas teve de cancelar, pois jamais recebeu a partitura", afirma. "Há uma suspeita de que ela pode estar com alguém ligado à primeira mulher de Villa-Lobos."
Villa-Lobos escreveu sinfonias em três períodos de sua carreira. As cinco primeiras datam de 1916 a 1920. Todas elas têm títulos -"O Improviso" (nº 1), "Ascensão" (nº 2), "A Guerra" (nº 3), "A Vitória" (nº 4) e "A Paz" (nº 5)- sendo que as três últimas são alusivas à Primeira Guerra Mundial.
Nos anos 40, vieram mais duas: a nº 6 ("Montanhas do Brasil") e a nº 7 ("Odyssée dune Race", ou seja, "Odisséia de uma Raça", título também dado a um poema sinfônico escrito em 1953).
"Montanhas do Brasil" emprega o curioso processo de "milimetrização": fotografias do Corcovado e do Pão de Açúcar foram transferidas para o pentagrama, originando os contornos melódicos utilizados na obra.
Já as sinfonias dos anos 50 atenderam, majoritariamente, a encomendas de sinfônicas norte-americanas: a oitava e a nona foram estreadas pela Orquestra da Filadélfia, a de nº 11 foi escrita para o 75º aniversário da Sinfônica de Boston e a última, de nº 12, teve sua primeira apresentação em Washington.
Uma exceção nesse grupo é a Sinfonia nº 10, composta para o quarto centenário da cidade de São Paulo (1954) e baseada no poema "Beata Vergine", de José de Anchieta.
Especialistas na obra de Villa-Lobos tendem a menosprezar suas sinfonias, considerando que o autor tratou a grande orquestra de maneira mais feliz em seus poemas sinfônicos, choros e bachianas.
O finlandês Eero Tarasti (no livro "Heitor Villa-Lobos - The Life and Works, 1887-1959") chega a afirmar que "é realmente surpreendente que Villa-Lobos tenha escrito tantas sinfonias ao longo de sua carreira, levando em conta que esse gênero musical combinava muito mal com sua maneira de compor".
Porém, como o próprio Tarasti admite, as análises do ciclo sinfônico de Villa-Lobos são prejudicadas pela carência de partituras e material auditivo. Não é impossível que, após o lançamento da coleção da CPO, os juízos de valor sobre as sinfonias de nosso maior compositor tenham de ser reavaliados.


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