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ANÁLISE
Júri ignora temas sociais e celebra ousadia
JOSÉ GERALDO COUTO
ENVIADO ESPECIAL A GRAMADO
O júri do 30º Festival de Gramado, independentemente
de erros e acertos pontuais, mostrou uma coerência e uma ousadia raras nas competições de cinema do país.
A vitória categórica de "Durval
Discos" causou surpresa, não
porque o filme não tivesse qualidades para isso, mas justamente
pelo contrário. O que surpreendeu foi o fato de os jurados não terem levado em conta os fatores
extracinematográficos que costumam ser decisivos em festivais.
O filme de Anna Muylaert tinha
contra si vários desses fatores. Era
a única obra de estreante entre
trabalhos de veteranos e não
abordava nenhum "problema social urgente", o que o colocava em
aparente desvantagem diante de
"Uma Onda no Ar", de Helvécio
Ratton, e "Dois Perdidos numa
Noite Suja", de José Joffily.
Outro ponto contra "Durval
Discos" seria sua localização geográfica muito marcada. Mais do
que paulistano, ele é ostensivamente pinheirense. Conta a história de um vendedor de discos
quarentão que vive sozinho com a
mãe meio esclerosada e que tem
sua vida virada de cabeça para
baixo quando uma criança é
abandonada em sua casa.
Por fim, festivais de cinema têm
dificuldade em assimilar obras de
gênero cambiante e indefinível,
como "Durval Discos" -uma
mistura de comédia urbana, drama surrealista e suspense policial.
No trânsito entre esses registros,
o filme por vezes perde força, parece que vai desabar, mas sempre
consegue se reerguer, seja por algum achado de roteiro, seja pela
brilhante atuação dos protagonistas Ary França e Etty Fraser.
Uma das decisões mais corajosas da diretora foi a de manter o
tempo todo sua premissa de longos planos de conjunto, com câmera fixa e virtual ausência de
closes, em vez de aumentar o número de cortes e acelerar o ritmo à
medida que os acontecimentos se
tornam mais dramáticos.
Essa relativa fixidez causa no espectador um certo desconforto,
amenizado pelo humor insólito
das situações e pela excelente trilha sonora de MPB dos anos 70.
O júri de Gramado premiou essa originalidade, reservando a diplomacia apenas para os Kikitos
de atriz e ator, por meio dos quais
contemplou as duas obras que
eram consideradas favoritas.
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