São Paulo, sexta-feira, 19 de agosto de 2005

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CRÍTICA

Narrativa retrata a fusão entre o caipira e o urbano

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Não é preciso gostar de Zezé di Camargo e Luciano para se encantar com "2 Filhos de Francisco".
Ao narrar a saga da dupla, o diretor Breno Silveira conta uma história modelar, centrada em Zezé, aliás Mirosmar Camargo: menino nascido na roça que, depois de inúmeros percalços, vira cantor popular e conquista fama e fortuna. A estrela sobe, como em tantos outros filmes.
Mas várias coisas marcam a diferença aqui: o foco inicialmente voltado para o pai dos futuros cantores, Francisco (vivido por Ângelo Antônio), obcecado pelo sonho de torná-los astros; o olhar atento e caloroso, isento de maniqueísmo, a todos os personagens; a maneira sutil como se conta, nas entrelinhas, o avanço da urbanização brasileira.
Há um paralelo evidente entre os solavancos na vida da família Camargo -a troca da lavoura pela construção civil, do lampião pela luz elétrica, do rádio pela televisão- e as mudanças sofridas pela velha música caipira rumo à constituição do atual gênero sertanejo (ou "breganejo"). Esse trajeto do campo para a cidade, do isolamento à integração na cultura de massa, é mostrado com notável limpidez.
Há um certo desequilíbrio, talvez inevitável, entre as duas metades do filme.
Na primeira, em que a dupla mirim Camargo e Camarguinho é forjada meio à força pelo pai e se apresenta pelo interior, salta à vista a homogeneidade estética (sobretudo cromática).
A partir do início da carreira solo de Zezé, antes de formar uma nova dupla com Welson/ Luciano-, a profusão de cores e ruídos é análoga ao processo de "contaminação" da música caipira pela indústria cultural.
Breno Silveira, jovem cineasta de formação sofisticada, mostra um respeito escrupuloso por essa música e seus fãs, embora seja clara sua preferência pela vertente mais antiga e "pura" da tradição rural ("Tristeza do Jeca", "Cálix Bento" etc.).
Os melhores achados cinematográficos estão na primeira parte: a cena em que o pai revela a luz elétrica à família, o modo terrível como a mãe (Dira Paes) mostra a Mirosmar onde está seu irmão. Mas a voltagem emocional volta a subir no final, com a aparição dos verdadeiros Zezé e Luciano.
No ótimo elenco cabe destacar José Dumont (o empresário patife dos meninos) e os novatos Dablio Moreira (Mirosmar) e Marcos Henrique (Emival).


2 Filhos de Francisco
   
Direção: Breno Silveira
Produção: Brasil, 2005
Com: Márcio Kieling, Dira Paes
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Interlagos, Lapa e circuito


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