São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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CRÍTICA

Beijo gay esconde truques por audiência

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Agora é moda. Novela que é novela tem que ter beijo lésbico. O casal da vez está em "Senhora do Destino". As moças são Eleonora (Mylla Christie) e Jenifer (Barbara Borges), que acabaram de iniciar um romance. Menos glamourosas que o casal de "Torre de Babel", formado por Silvia Pfeiffer e Christiane Torloni, mais maduras que as meninas vividas por Aline Morais e Paula Picarelli, de "Mulheres Apaixonadas", Eleonora e Jenifer vão viver um drama ao tentarem adotar uma criança.
Com essa abundância de casos de lesbianismo televisivo, daria até para pensar que a sociedade brasileira está se tornando mais tolerante em relação ao homossexualismo, que isso é um avanço em direção a um ambiente de respeito à diversidade sexual, que a hipocrisia em relação à sexualidade em geral diminuiu... Será mesmo?
Nem tanto. A formulação de algumas hipóteses para explicar esse súbito ataque de tolerância se impõe. Ainda que entre a primeira novela a fazer alusões veladas ao tema, "O Rebu" (1974), e o beijo de Eleonora e Jenifer alguns passos em direção à discussão menos preconceituosa tenham sido dados, a recorrência mais recente do tema deve procurar outras explicações.
Em primeiro lugar, não é à toa que a maioria dos casais homossexuais que aparecem são formados por mulheres. O olhar machista classifica a homossexualidade feminina como: a) menos "séria" e b) mais palatável. A brincadeira erótica entre mulheres é excitante e faz parte do repertório pornográfico. É como se as moças, entediadas à espera do falo, se entretivessem uma com a outra. É como se a negociação com o moralismo do público passasse por uma barganha do tipo: bem, já que vai ter que falar de homossexualidade -porque o assunto ganhou uma visibilidade no noticiário e na vida social muito maior do que à época de "Torre de Babel"- que seja a feminina, pelo menos.
Com homem no meio, só Silvio de Abreu teve coragem. Em "A Próxima Vítima", Abreu construiu uma boa história de amor gay e inter-racial entre os jovens Sandrinho (André Gonçalves) e Jeferson (Lui Mendes). Mais recentemente, ele se saiu com uma provocação ainda maior, ao juntar a transexual Ramona (Cláudia Raia) e Leonardo (Alexandre Borges), que tiveram direito a final feliz em "As Filhas da Mãe".
Em segundo lugar, porque há uma espécie de nova licenciosidade nas novelas. Ousar -simplesmente por ousar, para botar o limite do aceitável a alguns centímetros adiante- tornou-se moeda de troca na busca por audiência. Quer se trate de violência -como em "Celebridade" ou "Da Cor do Pecado"- quer se trate de questões polêmicas -a próxima novela das oito já levanta a lebre da crueldade contra animais, ao retratar o mundo dos rodeios-, a ordem é ter um arsenal preparado para produzir índices noticiáveis de audiência.

biabramo.tv@uol.com.br


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