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ARTES PLÁSTICAS
Para Luc Tuymans, a técnica continua influente mesmo estando em posição periférica da prática artística
"Falar em morte da pintura é discurso vazio"
FREE-LANCE PARA A FOLHA
No prédio da Bienal, o Carnaval
fica no terceiro andar, na sala especial reservada para Luc Tuymans. O espaço é climatizado, o
que garante que as imagens do
pintor belga não percam o viço
gélido e crítico que caracteriza sua
linguagem ao retratar temas diversos, da história ao cotidiano.
Das "falsificações", o pintor escolheu para a Bienal quatro óleos
sobre tela de grandes dimensões,
cada uma com uma medida diferente. Há também duas minúsculas aquarelas, uma de 7 cm x 10,5
cm e outra de 6 cm x 5,5 cm. A temática, segundo Tuymans, gira
em torno do Carnaval.
"Trata-se de uma festa de Carnaval tradicional do sul da Bélgica
chamada "Les Gilles de Binche".
Essa festa específica é patrimônio
da Unesco por ser uma das comemorações do gênero mais antigas
da Europa. Dizem que a festa surgiu durante a visita de Carlos 5º e
de seu filho, Felipe, à Margarita da
Hungria, em Binche. Depois do
banquete, os nobres se fantasiaram de incas e lançaram laranjas
entre eles", explica Tuymans.
Pintar cenas de um Carnaval
tradicional local é, de acordo com
o artista, uma tentativa de aprofundamento a "esse mundo anárquico e desmedido em que vivemos".
"A informação tem se tornado
cada vez menos confiável. A mídia depende de interesses particulares. A idéia da tradição oral e da
revalidação de algo folclórico pode ser, nesse sentido, uma pesquisa interessante", observa o pintor.
Além da ironia que o artista sustenta quanto ao mundo do excesso de imagens e de fragmentos de
memória, suas telas são uma reflexão constante sobre a própria
pintura. O artista questiona seu
estado de inadequação em relação aos novos meios de arte.
A avalanche de combinação de
novas técnicas de representação
artística que emergiu no final dos
anos 80 fez com que muitos enxergassem na pintura uma forma
de expressão conservadora.
Mesmo assim, Tuymans diz
nunca ter pensado que a pintura
ficou estigmatizada. "Falar da
morte da pintura é uma retórica
vazia. Tem sido o discurso de alguns críticos, curadores e artistas
equivocados."
Tuymans ironiza essa "marginalização" da pintura em suas telas, sobrecarregando suas imagens de elementos fotográficos,
desenhos, pintura e filme.
"Apesar de a pintura ter deixado de ser o centro da prática artística, ela ficou mais influente pela
sua posição periférica, desde sua
reminiscência até seu impacto",
diz o artista, que transporta técnicas do cinema para as telas, como
close-ups e planos-seqüência,
uma das marcas registradas de
sua produção.
Essa "herança cinética" vem do
início dos anos 80, época em que o
artista deixou de pintar durante
dois anos para fazer filmes.
Instante e vertigem
Segundo Tuymans, essa experiência resultou na maneira como
edita suas figuras. "Ambas as técnicas, filme e pintura, lidam com a
aproximação da imagem, assim
como a fotografia que capta o instante." Mas o "instante captado"
de Tuymans não tem nenhum
frescor. Longe disso. O clima
amarelo acinzentado que costuma invadir sua pintura dá a impressão que sua produção é mais
velha do que ela de fato é.
A imagem fica congelada numa
carga nostálgica que remete a
tempos mais gloriosos da pintura.
Não é à toa que suas grandes referências são El Greco (1541-1614),
Velázquez (1599-1660) e Manet
(1832-1883).
Assim como na pintura de El
Greco, as imagens de Tuymans
beiram a vertigem. A suspensão
do tempo em decalques soltos
mostra uma pintura que não mais
se sustenta na busca do que é real,
e sim na cópia de imagens.
"Fazer pintura é fazer uma marca, uma presença física visual beirando a inadequação da memória, ocupando um espaço proeminente", afirma o artista, enquanto
enfrenta, um a um os mais diverso tabus. Sejam eles políticos, históricos ou artísticos.
(LZ)
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