São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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ARTES PLÁSTICAS

Para Luc Tuymans, a técnica continua influente mesmo estando em posição periférica da prática artística

"Falar em morte da pintura é discurso vazio"

FREE-LANCE PARA A FOLHA

No prédio da Bienal, o Carnaval fica no terceiro andar, na sala especial reservada para Luc Tuymans. O espaço é climatizado, o que garante que as imagens do pintor belga não percam o viço gélido e crítico que caracteriza sua linguagem ao retratar temas diversos, da história ao cotidiano.
Das "falsificações", o pintor escolheu para a Bienal quatro óleos sobre tela de grandes dimensões, cada uma com uma medida diferente. Há também duas minúsculas aquarelas, uma de 7 cm x 10,5 cm e outra de 6 cm x 5,5 cm. A temática, segundo Tuymans, gira em torno do Carnaval.
"Trata-se de uma festa de Carnaval tradicional do sul da Bélgica chamada "Les Gilles de Binche". Essa festa específica é patrimônio da Unesco por ser uma das comemorações do gênero mais antigas da Europa. Dizem que a festa surgiu durante a visita de Carlos 5º e de seu filho, Felipe, à Margarita da Hungria, em Binche. Depois do banquete, os nobres se fantasiaram de incas e lançaram laranjas entre eles", explica Tuymans.
Pintar cenas de um Carnaval tradicional local é, de acordo com o artista, uma tentativa de aprofundamento a "esse mundo anárquico e desmedido em que vivemos".
"A informação tem se tornado cada vez menos confiável. A mídia depende de interesses particulares. A idéia da tradição oral e da revalidação de algo folclórico pode ser, nesse sentido, uma pesquisa interessante", observa o pintor.
Além da ironia que o artista sustenta quanto ao mundo do excesso de imagens e de fragmentos de memória, suas telas são uma reflexão constante sobre a própria pintura. O artista questiona seu estado de inadequação em relação aos novos meios de arte.
A avalanche de combinação de novas técnicas de representação artística que emergiu no final dos anos 80 fez com que muitos enxergassem na pintura uma forma de expressão conservadora.
Mesmo assim, Tuymans diz nunca ter pensado que a pintura ficou estigmatizada. "Falar da morte da pintura é uma retórica vazia. Tem sido o discurso de alguns críticos, curadores e artistas equivocados."
Tuymans ironiza essa "marginalização" da pintura em suas telas, sobrecarregando suas imagens de elementos fotográficos, desenhos, pintura e filme.
"Apesar de a pintura ter deixado de ser o centro da prática artística, ela ficou mais influente pela sua posição periférica, desde sua reminiscência até seu impacto", diz o artista, que transporta técnicas do cinema para as telas, como close-ups e planos-seqüência, uma das marcas registradas de sua produção.
Essa "herança cinética" vem do início dos anos 80, época em que o artista deixou de pintar durante dois anos para fazer filmes.

Instante e vertigem
Segundo Tuymans, essa experiência resultou na maneira como edita suas figuras. "Ambas as técnicas, filme e pintura, lidam com a aproximação da imagem, assim como a fotografia que capta o instante." Mas o "instante captado" de Tuymans não tem nenhum frescor. Longe disso. O clima amarelo acinzentado que costuma invadir sua pintura dá a impressão que sua produção é mais velha do que ela de fato é.
A imagem fica congelada numa carga nostálgica que remete a tempos mais gloriosos da pintura. Não é à toa que suas grandes referências são El Greco (1541-1614), Velázquez (1599-1660) e Manet (1832-1883).
Assim como na pintura de El Greco, as imagens de Tuymans beiram a vertigem. A suspensão do tempo em decalques soltos mostra uma pintura que não mais se sustenta na busca do que é real, e sim na cópia de imagens.
"Fazer pintura é fazer uma marca, uma presença física visual beirando a inadequação da memória, ocupando um espaço proeminente", afirma o artista, enquanto enfrenta, um a um os mais diverso tabus. Sejam eles políticos, históricos ou artísticos. (LZ)


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