São Paulo, domingo, 19 de setembro de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Ilha da fantasia

Luciana Cavalcanti/Folha Imagem
Veterano no evento, Leo Shehtman diz que escolhe sempre o inusitado para seus ambientes e por isso apostou em veludo dourado para revestir as paredes do hall de entrada, onde também pendurou um lustre com mais de 18 mil cristais


Era uma vez um casal de milionários que dedicava boa parte de sua fortuna à decoração da mansão de 2.800 m2 no Morumbi, onde viviam com quatro filhos (um do primeiro casamento dele), cachorrinho e que recebiam muitas, muitas visitas. É essa a fantasia criada pelos organizadores e contada pelos arquitetos, decoradores e paisagistas participantes da Casa Cor, maior mostra de arquitetura da cidade. Depois de uma disputa com vizinhos que entraram na Justiça para impedir que o evento acontecesse no bairro, a inauguração acontece no domingo, 26, com quatro meses de atraso. Reúne 107 profissionais, responsáveis pela criação de 85 ambientes que imaginam como seria a casa da "família de moradores". "É como um desfile de moda", diz o arquiteto Leo Shehtman, que participa desde a primeira edição, 18 anos atrás. "É a época em que a gente pode criar tudo o que der vontade".

O espaço de Shehtman tem paredes pretas de um lado e de veludo de seda dourado (R$ 250 o metro) do outro. É um hall de entrada, mas lembra uma discoteca. Especialmente por causa do lustre com 18 mil cristais Swarovski. "Procuro fazer sempre o inusitado", explica ele, que durante as obras levou um susto por causa da peça: o gancho onde ela estava presa não agüentou o peso. "Caiu no chão e quebrou mais de 200 cristais."
 
O hall é um dos espaços nobres da casa. Eles se dividem em três categorias: A, B e C. O primeiro tipo custa aos profissionais que os ocupam R$ 15 mil e geralmente é entregue a arquitetos mais experientes ou famosos. O mais barato é o terceiro, que vale R$ 9 mil. É o caso do Louceiro -menor espaço do evento, com 6,10 m 2- que ficou com Adriana Ribeiro de Mendonça e Aline Cremonini.
 
Participar da Casa Cor dá retorno financeiro? Pouco ou quase nada, afirmam os profissionais. Claro, entre os cem mil visitantes, alguns acabam fechando bons negócios. Mas o que conta mesmo é a mídia gerada pelo evento. E sair bem nas revistas de arquitetura pode, aí sim, trazer novos clientes. "Está todo mundo lá para aparecer", conta o administrador de empresas Roberto Dimbério, diretor da mostra.
 
É natural que, com tanta atenção em jogo, haja farpas. Um exemplo: no início deste ano, a decoradora Bya Barros disse que profissionais como Ana Maria Vieira Santos e Oskar Mikail desistiram de participar da Casa Cor porque ela tinha sido escolhida para cuidar do living de 100 m2, um dos filés do evento. "Fui chamada logo de cara", disse na época. Os colegas responderam que era mentira e que a ausência se devia a problemas pessoais e falta de tempo.
 
Primeiro nome indicado para o espaço de Bya, Sig Bergamin não participaria neste ano e acabou sendo uma adesão de última hora. Chegou a dizer que esta edição estava "de terceira categoria". Mudou de idéia a pedido de Dimbério, às voltas com desistências de ultima hora- e R$ 20 mil oferecidos por uma empresa de pão de queijo para custear as obras.

"Eu tive tanto trabalho com o meu espaço do ano passado que tinha preferido não participar neste ano", é sua resposta atual para explicar por que tinha desistido. Por ter sido o último a entrar, Sig ganhou prazo extra para terminar seu espaço, um café que serve pão de queijo: só vai ficar pronto na véspera da abertura da mostra.
 
Sig começou por último e não conseguiu, por isso, fechar as parcerias que ajudam todo decorador a gastar menos dinheiro com os ambientes do evento. Funciona assim: empresas de vidros e eletrodomésticos, por exemplo, cedem ou emprestam produtos em troca da chance de exibir sua marca no espaço. O jeito, conta ele, foi se virar com madeira de demolição e retalhos de mostruário de tecido.

Mais de 40 estampas de flores fazem do ambiente de Sig o que ele define como uma "mercearia kitsch". Coisa modesta para quem, em 2003, criou um apartamento de 500 m2 com heliponto. E helicóptero -emprestado por uma empresa, claro.
 
Como quase tudo é emprestado, os decoradores se viram para conseguir devolver os objetos sem danos. Oskar Mikail não participa neste ano, mas conta que uma vez quebraram um copo de US$ 1.600 emprestado pela antiquária Renée Behar. Que não cobrou o pagamento em nome da amizade. A maioria dos objetos é presa com fios de nylon para evitar furtos. "As pessoas acham que é lembrancinha", diz Brunete Fraccaroli, que toma um cuidado extra: nunca prende vários objetos com um mesmo fio. "Uma pessoa tentou colocar na bolsa um copo de cristal e toda a louça caiu no chão", recorda.
 
Um dos atrativos do ambiente de Denise Barretto, um misto de sala de leitura e escritório, é uma sala de 8 m2 com paredes blindadas, refúgio perfeito para casos de assalto, como no filme "Quarto do Pânico", com Jodie Foster. Lá dentro tem banheiro, comida, roupas, geladeira, microondas, laptop e telefone.
 
Projetar um ambiente na Casa Cor pode custar "desde um carro popular até um Jaguar", compara Dimbério. Só o chão do arquiteto gaúcho Lucio Cabral vai custar R$ 300 mil, pagos por uma marmoraria que o apoia. É um fumoir, nome chique para o popular fumódromo. Imprevistos encarecem o projeto, como viu Emilia Garcia, que projetou a casa de boneca: o marceneiro não entregou uma de suas janelas e o jeito foi tapar o buraco com cimento.
 
A casa utilizada para a mostra tem que ser devolvida no mesmo estado em que foi encontrada. Exceto por algumas benfeitorias, como a que o paisagista Gilberto Elkis fez. Ele reabriu e reformulou a piscina, que estava aterrada. Escaldado com as confusões com vizinhos, Roberto Dimbério não gosta de contar os possíveis bairros-sede para o evento do ano que vem. A escolha acontece até novembro e deverá ser entre Brooklyn, Aeroporto e Vila Olímpia.


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