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EXPOSIÇÃO
Inaugurada pelo presidente Vladimir Putin, mostra no museu nova-iorquino reúne obras de dez instituições
Guggenheim recebe 800 anos de Rússia
KATHRYN SHATTUCK
DO "THE NEW YORK TIMES"
O ponto de exclamação pode ser
bombástico, mas "Rússia!", o título da nova grande exposição do
museu Guggenheim, em Nova
York, não faz mais do que sugerir
de maneira muito distante o esforço hercúleo envolvido na organização de uma mostra que
abrange 800 anos de arte de um
império de grandes dimensões.
Segundo os curadores, fazer
uma mostra que abrange algumas
das mais renomadas e também
das menos viajadas obras-primas
da arte russa foi uma proeza diplomática que evocou os anos da
glasnost. A data de abertura da
exposição, 16 de setembro, foi escolhida para coincidir com a
abertura da 60ª Assembléia Geral
das Nações Unidas, e o presidente
da Rússia, Vladimir Putin, aceitou
o convite para visitar a mostra.
"As negociações foram demoradas e corteses, mas preciso reconhecer que não foram fáceis",
disse um dos curadores do Guggenheim, Robert Rosenblum.
A idéia da exposição surgiu em
2002, num encontro em Veneza,
na cobertura da Coleção Peggy
Guggenheim nessa cidade. Ali,
Thomas Krens, o diretor do Guggenheim e ardente russófilo, foi
abordado por Mikhail Shvydkoi,
o então ministro da Cultura russo.
"Expliquei que seria muito interessante montar uma exposição
forte de belas artes porque muito
poucas pessoas nos EUA sabem
da arte importante da Rússia", comentou o ex-ministro e atual diretor do órgão russo responsável
pela cultura e pelo cinema.
Krens já conhecia o ministro da
Cultura devido à parceria do Guggenheim com o museu Hermitage
de São Petersburgo: três mostras
de arte soviética de vanguarda e
sua pesquisa sobre ícones russos.
A proposta o deixou intrigado. E,
como é de seu costume, ele imediatamente começou a pensar em
termos grandes. Vale lembrar que
Krens é o homem responsável por
"África - A Arte de Um Continente" (1996), "China: 5.000 Anos"
(1998) e "Império Azteca" (2004).
Ele começou a desfiar perguntas: como foi que as pinturas russas de ícones acabaram inspirando a vanguarda? Por que a pintura
russa extraordinária dos séculos
18 e 19 é virtualmente desconhecida no Ocidente? Que presciência
levou Pedro, o Grande, Catarina,
a Grande e Nicolau 1º a montar
suas enciclopédicas coleções de
pinturas e esculturas européias
ocidentais nos século 18 e 19? O
que levou os marchands moscovitas Sergei Shchukin e Ivan Morozov a adquirir trabalhos de Picasso no início do século 20?
"Havia várias idéias circulando
no ar", contou Krens. "Perguntamos se existe uma história coerente da arte russa que possa ser
compreendida." De sua perspectiva, existe. Convocando especialistas do Guggenheim e dos maiores museus russos, Krens montou
uma equipe, e, a partir dela, o que
afirma ser a mais abrangente
mostra de arte russa a sair do país.
De acordo com Shvydkoi, é incomum que se apresentem obras
de arte russa vindas de mais de
dez museus em uma só mostra.
Krens e seus curadores decidiram organizar as obras de arte em
oito capítulos: ícones russos dos
séculos 13 a 17; coleções imperiais
do século 18 e início do século 19;
arte do século 18, de influência
ocidental; a era de ouro da arte
russa da primeira metade do século 19, e as mostras itinerantes
apresentadas na segunda metade
desse século pelo grupo conhecido como Caminhantes; as obras-primas modernistas francesas colecionadas por Shchukin e Morozov; exemplos de simbolismo, cubo-futurismo, suprematismo e
construtivismo do século 20; o
realismo soviético da era socialista e a arte soviética entre a morte
de Stalin e o fim da Guerra Fria.
Mas traduzir tudo isso numa
mostra real -sem falar em conservar o controle sobre a tese, enquanto estudiosos russos e americanos debatiam o conteúdo- revelou-se um desafio grande.
"Sempre que se pede a colaboração de estudiosos, a tendência é
que queiram dizer de que maneiras eles fariam tudo diferente",
comentou Krens, referindo-se aos
nove especialistas que trabalharam na exposição. "E havia o problema da redução do meio. Fizemos desta mostra basicamente
uma mostra de pintura. Mas e a
arte decorativa, e a fotografia, e a
escultura, como ficavam?"
Krens procurou a ajuda de Zelfira Tregulova, vice-diretora dos
Museus do Kremlin em Moscou.
Após dois dias de discussões, ela
e os curadores do Guggenheim,
incluindo Lisa Dennison, Robert
Rosenblum e Valerie Hillings, redigiram uma lista de peças.
Então foi pedida a colaboração
de Evgenia Petrova, do Museu do
Estado Russo, e Lidia Iovleva, da
Galeria Estatal Tretyakov, museus
dos quais saiu boa parte do conteúdo de "Rússia!".
Hillings compreende o russo,
mas não sabe escrever a língua; alguns dos especialistas, como Iovleva, não falam inglês. Por esse
motivo, conta Hillings, a comunicação "foi um processo penoso".
Temas
Os curadores tomaram nota de
temas: camponeses, espiritualidade, "a situação do indivíduo dentro da sociedade". E começaram a
enxergar influências entre gerações, com gerações posteriores
"aceitando ou desmontando a arte que as antecedeu".
Eles tiveram que levar em conta
questões logísticas. Algumas peças que todos queriam muito para
a exposição, como os retratos modernistas em têmpera de Valentin
Serov, eram frágeis demais para
ser transportados. Outro tesouro,
"Ivã o Terrível e Seu Filho Ivã"
(1885), de Ilya Repin, nunca é cedido porque uma vez foi cortado
por um agressor.
"Algumas pinturas acadêmicas
fantásticas do século 19 nós não
pudemos trazer porque são grandes demais", contou Hillings. Durante todo o processo, houve concorrência com outros museus,
num ano em que a moda "czarina" domina as passarelas e em
que a arte russa está em voga em
Paris, Bruxelas e Berlim.
"O Museu d'Orsay vai abrir
uma mostra russa quatro dias depois da abertura da nossa, então
tivemos de disputar as peças cedidas da Rússia", contou Hillings.
"Tivemos grande sorte em ter
parceiros de boa vontade nesses
museus russos."
Em 1977, quando o Metropolitan, em Nova York, organizou
uma mostra de arte russa, as tensões decorrentes da Guerra Fria
criaram enormes dificuldades para o museu conseguir peças, ela
contou, e o que o museu esperava
receber nem sempre era o que de
fato chegava. "Realmente nos beneficiamos da mudança dos tempos, da troca da guarda", disse ela.
O curador Robert Rosenblum
vê a situação sob outra ótica. "Eles
são pós-soviéticos, mas ainda
agem como soviéticos", comentou. "Tudo continua como nos
velhos tempos. Foram os russos
que escolheram a maior parte do
que acharam que deveria ser enviado. Tínhamos idéias próprias;
diferentemente deles, tínhamos
uma idéia melhor de o que iria
agradar ao público americano."
Petrova se sentiu frustrada pela
ênfase grande dada pelos outros
curadores à pintura. "Minha opinião era que deveríamos incluir
uma parte de objetos da cultura.
Não apenas obras-primas da história sistemática da arte russa,
mas também objetos que refletem
a vida", disse. Em tom mais reflexivo, ela acrescentou: "Os curadores de uma exposição deveriam
ser um ou dois, não seis ou sete."
Mas, para todos os curadores,
houve uma questão na qual as
opiniões foram unânimes. "Deveríamos concluir a mostra com "O
Homem Que Voou Para o Espaço", de Ilya Kabakov", contou Tregulova. Essa instalação, que foi cedida pelo Centro Pompidou, de
Paris, e recriada por Kabakov para a mostra do Guggenheim, mostra um decadente apartamento
comunitário com uma cama dobrável e um teto quebrado, através do qual um homem aparentemente se fez disparar em direção
ao espaço e à luz celestial.
Para Tregulova, a visão de Kabakov constitui o ponto final perfeito para essa retrospectiva da
contribuição russa para a civilização mundial ao longo de oito séculos, algo que "permanece como
uma das maiores conquistas do
espírito humano". "Espero que as
pessoas compreendam o que tentamos dizer com esta exposição",
ela concluiu.
Tradução de Clara Allain
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