|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
'Contato', o livro, une erudição, didatismo e ironia
ALESSANDRO BARROS
especial para a Folha
Esqueçam que
Carl Sagan foi
um cientista e
que seus livros
usam, às vezes,
uma linguagem
ininteligível para os não iniciados em física e matemática, ao ler
"Contato", livro relançado pela
Companhia das Letras.
Nascido de um roteiro de cinema
de Sagan e Ann Druyan, em 1980,
"Contato" somente foi publicado
em 1985, nos EUA, e em 86, no
Brasil, pela editora Guanabara.
Na abertura, tem-se uma sensação de desconforto, as frases não
fazem muito sentido e estão em
itálico. Entretanto, avançando um
pouco, as letras voltam ao normal,
e o leitor se depara com a personagem principal, a futura cientista
Eleanor Arroway que, naquele
momento, estava nascendo.
A partir daí, acompanhamos sua
trajetória desde pequena, até sua
nomeação para a direção do projeto Argus, destinado à pesquisa de
inteligência extraterrestre.
Nos capítulos subsequentes, encontramos os mesmos caracteres
em itálico, que continuam a não
fazer muito sentido.
Até que um dia os radiotelescópios do Argus captam estranhos
ruídos não identificados vindos da
constelação de Vega. Neste momento, o texto em itálico passa a
fazer sentido. Percebe-se que duas
histórias estavam sendo narradas
paralelamente -a da geração e
envio das ondas de rádio de um local muito distante para a Terra e a
história do crescimento de Arroway-, de modo a convergirem
para a captação dos sinais.
A partir disso, a história se desenrola em uma sucessão de descobertas e o que parece ser, na sua
primeira decodificação, uma
mensagem somente com a sequência dos números primos.
Na verdade, o texto traz uma superexposição de mensagens (como as camadas de uma cebola)
que, ao serem decifradas, revelam
uma das primeiras cenas televisionadas na Terra -Hitler saudando
o povo na abertura dos Jogos
Olímpicos de Berlim- e o desenho detalhado do que parece ser
uma espaçonave.
É inegável que, para os que não
têm domínio de física e matemática, algumas discussões e piadas
não têm sentido. Mas elas podem
ser desprezadas, sem prejuízo para
o entendimento do livro.
Mesmo porque a história do
contato serve apenas de pano de
fundo (é a casca da cebola) para
uma discussão sobre dogmas.
Na obra, Sagan, além de usar seu
conhecimento para dar explicações simples para problemas aparentemente complexos, destila sua
ironia, ao criar uma tripulação
multirracial.
A propósito, a camada mais profunda da cebola pode ser resumida
em uma frase, ao final do livro, referente a Arroway: "Durante toda
a sua vida, estudara o Universo,
mas desprezara sua mais clara
mensagem: para criaturas pequenas como nós, a vastidão só é suportável por meio do amor".
Livro: Contato
Autor: Carl Sagan
Editora: Companhia das Letras
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|