São Paulo, sábado, 19 de setembro de 1998

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MOSTRARIO
"Velvet Goldmine" reedita a era glitter

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

O Rio de Janeiro vê hoje, em sessão por enquanto única no Brasil, o primeiro grande esforço cinematográfico a pesquisar o caldo de cultura de um período que acabou relativamente obscurecido dentro da história da música pop: a era glitter, mais ou menos circunscrita entre 1969 e 1974.
Trata-se de "Velvet Goldmine", do norte-americano Todd Haynes, estrelado por Ewan McGregor e Jonathan Rhys Meyers.
Este último protagoniza o filme, interpretando o pop star Brian Slade, inspirado no mais popular dos ídolos glitter (ou glam -era outro apelido), o inglês David Bowie.
Curt Wild, personagem de McGregor, é um híbrido de Iggy Pop e Lou Reed, precursores do glitter à época mergulhados no ostracismo e, em 72, resgatados pelas mãos de produtor de Bowie.
O filme, que levou prêmio de melhor contribuição artística na última edição de Cannes, tem sessão às 21h30, sem legendas em português, dentro da MostraRio. Estréia em outubro na Inglaterra e em novembro nos EUA; no Brasil, nem há previsão de estréia oficial.
O filme, caracterizado por Todd Haynes (antes diretor de "Veneno") como estritamente de ficção, aborda o romance entre os roqueiros Slade e Wild como pretexto para esmiuçar o viés comportamental do período glitter.
Assim, ganham a tela grande pela primeira vez os artistas que ousaram, no ocaso dos anos hippies, vestir a agressividade do rock com plumas, purpurina, sapatos plataforma e maquiagem abundante.
Tudo se deu em torno dos ingleses Marc Bolan (líder da banda T. Rex e algo eclipsado no filme) e Bowie (já encharcado da sexualidade ambígua do Velvet Underground, de Lou Reed). Na ponta norte-americana, os New York Dolls, declarados heterossexuais, fizeram eco tocando rock pesado vestidos de mulher.
Bowie, sempre marketeiro, assumiu a liderança da onda, declarando-se gay na imprensa inglesa (mais tarde ele desmentiria) e, em seguida, inventando a persona Ziggy Stardust, pop star andrógino que veio do espaço e vive na Terra a ascensão e queda do próprio ego.
"Velvet Goldmine" -o título é ode a uma explícita e obscura canção de Bowie, que entraria no álbum "The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars" (72) e foi limada- retoma e amplia a "lenda" de Ziggy.
O Ziggy do filme, Brian Slade (o nome é referencial a Brian Eno e Bryan Ferry, líderes do Roxy Music, outro dos expoentes do glam, e a Slade, banda glitter de segundo time), simula o próprio assassinato por não aguentar as pressões do estrelato -e desaparece.
Discretos, quase desaparecidos em "Velvet Goldmine" estão também vários astros pop dos anos 90, recrutados pelo produtor-executivo do filme, Michael Stipe (também líder da banda R.E.M.) para participações especiais.
Bandas fictícias que recriam (devidamente fantasiados) emblemas do glitter rock são compostas por integrantes dos grupos Sonic Youth, Radiohead, Teenage Fanclub, Elastica, Spacehog, Placebo.
As bandas Pulp, Grant Lee Buffalo e Shudder to Think contribuem com canções inéditas, compostas no espírito do glam rock. Só o que não aparece é a música de David Bowie, que proibiu a utilização de qualquer sua canção.
A imprensa especulou que ele não teria gostado do enfoque. Há pouco, Bowie afirmou à revista musical inglesa "Mojo" que planeja conduzir, em pessoa, um filme sobre Ziggy Stardust, que incluiria canções inéditas daquele período.
Sem Bowie, Todd Haynes extraiu dos repertórios de Roxy Music, T. Rex e Stooges parte dos temas cantados por Wild e Slade -sim, os atores McGregor e Rhys Meyers cantam em "Velvet Goldmine".
Em formato original, ressurgem canções semi-esquecidas de Lou Reed, Roxy Music, T. Rex, Brian Eno, Gary Glitter e Slade. Ao todo, são 34 temas na trilha sonora -noutros tempos, chamariam "Velvet Goldmine" de ópera-rock.
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O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da organização da MostraRio.



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