São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006

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Mostra lembra que Yves Klein voou além do azul

Curadora de exposição no Georges Pompidou diz à Folha que retrospectiva realça faces ainda pouco conhecidas do artista

Artista francês, que morreu em 1962 e ficou famoso com trabalhos monocromáticos, pode ser considerado um precursor da performance


ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há diversos tons de azul. E há o azul de Yves Klein. O jovem artista francês que morreu em 1962, aos 34 anos, fez história com a cor vibrante que ganhou o nome de IKB (International Klein Blue). Por uma daquelas ironias do destino, todo o resto de sua obra, que inclui performances, esculturas, fotografias e vídeos, perdeu o brilho diante do azul que o tornou célebre.
Agora, o Centro Georges Pompidou, em Paris, lança um novo olhar sobre Klein, com uma das mais completas retrospectivas sobre ele, "Yves Klein - Corpo, Cores, Imaterial", em cartaz até janeiro de 2007. Na mostra, as famosas telas em azul disputam a atenção com obras em pink e ouro, além de vídeos e textos. A seguir, a curadora Camille Morineau, 39, fala sobre a mostra.

 

FOLHA - Por que o tema da exposição é "corpo, cores e imaterial"?
CAMILLE MORINEAU -
Para fazer desta uma mostra diferente das anteriores. Na França, Yves Klein era um artista conhecido apenas pelas obras em azul. Queria mostrar as outras faces de seu trabalho, menos famosas e mais contemporâneas. Começando pelo corpo, que era central para ele porque, antes de tudo, Klein era um judoca, fazia esportes e exercícios. Há um elo entre o corpo, o físico e o imaterial no judô. O corpo era o material para suas performances. Estou tentando mostrar que Klein foi um dos pioneiros da performance art, assim como o americano Allan Kaprow.

FOLHA - É possível, então, afirmar que Yves Klein dialogava com o grupo de artista que fazia performance art na década de 60, nos EUA?
MORINEAU -
Allan Kaprow e Yves Klein começaram na mesma época, em 1959. Infelizmente, Klein morreu em 1962, ano em que a performance se tornou realmente famosa, principalmente na Europa.

FOLHA - A mostra cobre toda a carreira de Yves Klein?
MORINEAU -
Sim, com exceção das primeiras pinturas monocromáticas. No entanto, é comum as exposições sobre ele começarem com diferentes pinturas, em cores diversas, colocando-as em vários níveis. Esta, ao contrário, tem início numa obra que considero muito importante: um livro, do qual foram feitos dez exemplares, em 1954, quando Klein começou a pintar. Ele fez esse livro com pinturas falsas. Eram imagens que gostaria de ter feito, ou imaginou fazer, mas não havia feito ainda. É um falso inventário de uma carreira que ainda não havia começado. É sua primeira obra conceitual, porque não há traços de que as pinturas tenham existido. O livro é mais interessante do que as pinturas em si.

FOLHA - É possível dividir a obra de Klein em ciclos?
MORINEAU -
Como Picasso? [risos]. Bem, antes de 1957, Klein pintava com cores diferentes. Mas algo que as pessoas não sabem é que ele filmava no início dos anos 50. Quando começou a fazer pinturas monocromáticas, também estava interessado em filmes e ainda escreveu sinfonias monotônicas. Em 1957, Klein decidiu que todas as cores criavam aspectos decorativos no todo e escolheu pintar apenas com o azul. Mas, rapidamente, em 1958, descobriu que o azul tinha se tornado muito fashion e passou a usar ar, fogo e outros elementos. Em 59, iniciou os trabalhos com o corpo e, ao mesmo tempo, fez arquitetura. Naqueles anos, Klein escreveu muito e, na França, esses textos só foram publicados em 2002. Alguns, ele considerava como obras de arte.

FOLHA - Apesar de ter feito trabalhos tão diversos, por que as obras em azul ainda são mais conhecidas?
MORINEAU -
O azul fez um grande sucesso e os monocromos em azul são maravilhosos até hoje. Eles permanecem na mente, nos olhos, são muito poderosos. Acho que as pessoas que visitarem a exposição irão perceber que o ouro e o pink também foram muito fortes. Além disso, na história da crítica, o principal crítico de sua obra é Pierre Restany, que tem uma visão muito formal de seus trabalhos, ligando-os ao azul e também ao novo realismo francês -embora Klein tenha sido contra esse movimento.

FOLHA - Há alguma obra inédita?
MORINEAU -
Não. Mas há uma que fiquei especialmente feliz por mostrar, que não vem de um museu e tampouco de uma coleção particular, mas sim de uma igreja. É "Ex-voto Dédie à Santa-Rita", uma peça religiosa que Yves Klein fez, em 1961, para um monastério no sul da Itália. Ele estava muito feliz com uma retrospectiva de sua carreira, na Alemanha, e, como era católico e devoto da santa, fez o trabalho para sua igreja. Ela é feita em azul, pink e ouro em uma caixa transparente.

FOLHA - Em sua opinião, qual a obra de Yves Klein mais importante?
MORINEAU -
Sob a luz da arte contemporânea, é "Journal du Dimanche" [jornal do domingo], um falso jornal feito em novembro de 1960. É um remake de uma publicação famosa, que todos compram na França, aos domingos. Neste jornal, Yves Klein publicou textos sobre teatro, música, balé. Não sobre arte, mas sim sobre como o artista pode explorar os territórios fora do espaço de exibição. Para mim, isso foi muito radical e contemporâneo. A foto "Saut dans le Vide" [salto para a vida] foi feita para esse jornal. É uma obra incomum e não muito visual mas, em termos de conceito, é uma das obras mais importantes do século 20.

FOLHA - Por que esta foto, "Saut dans le Vide" -na qual Yves Klein está voando de um prédio- é tão emblemática?
MORINEAU -
É uma performance, um salto no vazio. A princípio, quando você vê, pensa que ele está voando. Depois, claro, percebe que é uma fotomontagem. Seus braços estão como os de um anjo ou de um Cristo. É muito emocionante, porque foi publicada dois anos antes de sua morte e representa muito de sua personalidade, sempre se colocando em risco, trazendo o trabalho para sua vida pessoal, trabalhando dia e noite. Acho que sua morte prematura ocorreu por isso: ele nunca dormia, não parava, sempre tentando superar-se, fazendo várias coisas ao mesmo tempo. A foto é um resumo de sua vida.


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