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Mostra lembra que Yves Klein voou além do azul
Curadora de exposição no Georges Pompidou diz à Folha que
retrospectiva realça faces ainda pouco conhecidas do artista
Artista francês, que morreu em 1962 e ficou famoso com
trabalhos monocromáticos, pode ser considerado um
precursor da performance
ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há diversos tons de azul. E há
o azul de Yves Klein. O jovem
artista francês que morreu em
1962, aos 34 anos, fez história
com a cor vibrante que ganhou
o nome de IKB (International
Klein Blue). Por uma daquelas
ironias do destino, todo o resto
de sua obra, que inclui performances, esculturas, fotografias
e vídeos, perdeu o brilho diante
do azul que o tornou célebre.
Agora, o Centro Georges Pompidou, em Paris, lança um novo
olhar sobre Klein, com uma das
mais completas retrospectivas
sobre ele, "Yves Klein - Corpo,
Cores, Imaterial", em cartaz até
janeiro de 2007. Na mostra, as
famosas telas em azul disputam a atenção com obras em
pink e ouro, além de vídeos e
textos. A seguir, a curadora Camille Morineau, 39, fala sobre a
mostra.
FOLHA - Por que o tema da exposição é "corpo, cores e imaterial"?
CAMILLE MORINEAU - Para fazer
desta uma mostra diferente das
anteriores. Na França, Yves
Klein era um artista conhecido
apenas pelas obras em azul.
Queria mostrar as outras faces
de seu trabalho, menos famosas e mais contemporâneas.
Começando pelo corpo, que era
central para ele porque, antes
de tudo, Klein era um judoca,
fazia esportes e exercícios. Há
um elo entre o corpo, o físico e o
imaterial no judô. O corpo era o
material para suas performances. Estou tentando mostrar
que Klein foi um dos pioneiros
da performance art, assim como o americano Allan Kaprow.
FOLHA - É possível, então, afirmar
que Yves Klein dialogava com o grupo de artista que fazia performance
art na década de 60, nos EUA?
MORINEAU - Allan Kaprow e
Yves Klein começaram na mesma época, em 1959. Infelizmente, Klein morreu em 1962,
ano em que a performance se
tornou realmente famosa,
principalmente na Europa.
FOLHA - A mostra cobre toda a carreira de Yves Klein?
MORINEAU - Sim, com exceção
das primeiras pinturas monocromáticas. No entanto, é comum as exposições sobre ele
começarem com diferentes
pinturas, em cores diversas, colocando-as em vários níveis.
Esta, ao contrário, tem início
numa obra que considero muito importante: um livro, do
qual foram feitos dez exemplares, em 1954, quando Klein começou a pintar. Ele fez esse livro com pinturas falsas. Eram
imagens que gostaria de ter feito, ou imaginou fazer, mas não
havia feito ainda. É um falso inventário de uma carreira que
ainda não havia começado. É
sua primeira obra conceitual,
porque não há traços de que as
pinturas tenham existido. O livro é mais interessante do que
as pinturas em si.
FOLHA - É possível dividir a obra de
Klein em ciclos?
MORINEAU - Como Picasso? [risos]. Bem, antes de 1957, Klein
pintava com cores diferentes.
Mas algo que as pessoas não sabem é que ele filmava no início
dos anos 50. Quando começou
a fazer pinturas monocromáticas, também estava interessado
em filmes e ainda escreveu sinfonias monotônicas. Em 1957,
Klein decidiu que todas as cores criavam aspectos decorativos no todo e escolheu pintar
apenas com o azul. Mas, rapidamente, em 1958, descobriu que
o azul tinha se tornado muito
fashion e passou a usar ar, fogo
e outros elementos. Em 59, iniciou os trabalhos com o corpo e,
ao mesmo tempo, fez arquitetura. Naqueles anos, Klein escreveu muito e, na França, esses textos só foram publicados
em 2002. Alguns, ele considerava como obras de arte.
FOLHA - Apesar de ter feito trabalhos tão diversos, por que as obras
em azul ainda são mais conhecidas?
MORINEAU - O azul fez um grande sucesso e os monocromos
em azul são maravilhosos até
hoje. Eles permanecem na
mente, nos olhos, são muito poderosos. Acho que as pessoas
que visitarem a exposição irão
perceber que o ouro e o pink
também foram muito fortes.
Além disso, na história da crítica, o principal crítico de sua
obra é Pierre Restany, que tem
uma visão muito formal de seus
trabalhos, ligando-os ao azul e
também ao novo realismo francês -embora Klein tenha sido
contra esse movimento.
FOLHA - Há alguma obra inédita?
MORINEAU - Não. Mas há uma
que fiquei especialmente feliz
por mostrar, que não vem de
um museu e tampouco de uma
coleção particular, mas sim de
uma igreja. É "Ex-voto Dédie à
Santa-Rita", uma peça religiosa
que Yves Klein fez, em 1961, para um monastério no sul da Itália. Ele estava muito feliz com
uma retrospectiva de sua carreira, na Alemanha, e, como era
católico e devoto da santa, fez o
trabalho para sua igreja. Ela é
feita em azul, pink e ouro em
uma caixa transparente.
FOLHA - Em sua opinião, qual a
obra de Yves Klein mais importante?
MORINEAU - Sob a luz da arte
contemporânea, é "Journal du
Dimanche" [jornal do domingo], um falso jornal feito em novembro de 1960. É um remake
de uma publicação famosa, que
todos compram na França, aos
domingos. Neste jornal, Yves
Klein publicou textos sobre
teatro, música, balé. Não sobre
arte, mas sim sobre como o artista pode explorar os territórios fora do espaço de exibição.
Para mim, isso foi muito radical
e contemporâneo. A foto "Saut
dans le Vide" [salto para a vida]
foi feita para esse jornal. É uma
obra incomum e não muito visual mas, em termos de conceito, é uma das obras mais importantes do século 20.
FOLHA - Por que esta foto, "Saut
dans le Vide" -na qual Yves Klein
está voando de um prédio- é tão
emblemática?
MORINEAU - É uma performance, um salto no vazio. A princípio, quando você vê, pensa que
ele está voando. Depois, claro,
percebe que é uma fotomontagem. Seus braços estão como os
de um anjo ou de um Cristo. É
muito emocionante, porque foi
publicada dois anos antes de
sua morte e representa muito
de sua personalidade, sempre
se colocando em risco, trazendo o trabalho para sua vida pessoal, trabalhando dia e noite.
Acho que sua morte prematura
ocorreu por isso: ele nunca dormia, não parava, sempre tentando superar-se, fazendo várias coisas ao mesmo tempo. A
foto é um resumo de sua vida.
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