São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2008

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Crítica/DVD/"O Homem do Pau-Brasil"

Joaquim Pedro de Andrade reinventa Oswald

COLUNISTA DA FOLHA

"O Homem do Pau-Brasil" (1981), último filme de Joaquim Pedro de Andrade (1932-88), foi recebido com certa má vontade à época em que foi lançado. Suas ousadias formais e seu desprezo pelo "realismo" televisivo iam na contramão da tendência domesticada que então se impunha mesmo entre os remanescentes do cinema novo, empenhados na busca de um suposto diálogo com o grande público.
Não por acaso, o filme era dedicado a Glauber Rocha, que morrera naquele mesmo ano e que também se recusara a sucumbir ao comodismo geral. Mas o que é "O Homem do Pau-Brasil"? Em poucas palavras, a recriação ficcional de episódios da vida e da obra de Oswald de Andrade. Mais do que isso, porém, trata-se de uma tentativa de discutir o legado modernista em sua vertente mais radical e experimental.
No filme, agora lançado em DVD, esse experimentalismo começa na escalação do elenco. Dois atores, um homem (Flávio Galvão) e uma mulher (Ítala Nandi), representam Oswald, como a indicar dois aspectos da sua personalidade, o masculino e o feminino, yin e yang.

Antinaturalismo
O tema da antropofagia, do "quem come quem" (nos vários sentidos do verbo), perpassa todo o filme, repleto, desde o título, de figurações do falo, signo de potência criadora, pelo menos até desembocar na utopia final oswaldiana do matriarcado. A reconstituição de época é estilizada, antinaturalista, e o tom da encenação é farsesco.
Boa parte da narrativa é ambientada em um navio que viaja da Europa para o Brasil, trazendo artistas, cientistas, missionários jesuítas. O trânsito, ou antes, o entrechoque entre a cultura européia e a energia brasileira é a própria matéria do filme.
Todo o elenco é brilhante, e o destaque fica para Dina Sfat interpretando uma Tarsila do Amaral que oscila entre a extrema finesse e a mais deliciosa grossura.
Visto hoje, quando nos habituamos a um cineminha rasteiro e medroso, "O Homem do Pau-Brasil" parece um objeto absurdo. Só os filmes de Julio Bressane, de algum modo, podem dialogar com ele. Nos fornidos extras do DVD, o destaque é o documentário "Cinema Novo", realizado também por Joaquim Pedro em 1967, mostrando, no calor da hora, os filmes realizados então por Glauber, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues etc.
Documento inestimável de uma época de efervescência criadora e coragem artística. (JOSÉ GERALDO COUTO)


O HOMEM DO PAU-BRASIL
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Distribuição: VideoFilmes
Quanto: R$ 49,90 (em média)
Classificação indicativa: livre
Avaliação: ótimo


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